terça-feira, 30 de dezembro de 2008

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

originária dubitare

-the hives ou the vines?
-vines! pensa assim: hives é wannabe rolling stones e vines é wannabe nirvana.
-ah...

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

incessantemente

é literalmente a vigésima vez que passo por isso.
as epiléticas luzes.
as ítalo-decorações.
os agridoces.
entre as boas notícias.
o falso altruísmo.
capetalismo coca-cola.
veludo em pleno verão.
o presépio.
cadáveres à mesa.
e, é claro, o rei.
entre as más.

parece que ninguém se importa em manter, precisamente, toda essa neurótica sequência de práticas pré-determinadas, ano após ano.

sendo assim,
feliz natal.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

zé.tom

todo compositor brasileiro é um complexado.

por que então esta mania danada
esta preocupação
de falar tão sério
de parecer tão sério
de ser tão sério
de sorrir tão sério
de chorar tão sério
de brincar tão sério
de amar tão sério?

ai, meu deus do céu, vai ser sério assim no inferno!

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

mesma moeda

comíamos como bons burgueses.
café da manhã vasto em frente à grande janela aberta.
além da janela, do outro lado da rua, dois trabalhadores levantavam uma parede.
suados, retinham e respiravam pó de cimento.
não houve troca de olhares entre eles e nós, mas se houvesse eu não saberia distinguir quem era espectador e quem era peça.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

bouchonné

mais um grande lenço xadrez em tons de cinza tornava arrogante um pescoço delicado.
ele tentava convencer-me das qualidades de um vinho branco.
falava-me do bouquet e de muitos outros detalhes narcísicos, típicos de pseudo-enólogos, vide lado paterno.
o lado materno não ouvia, mas concordava.
e ele continuava prolongando minha decantação.
as lágrimas hesitavam em dúvida, não sabendo por onde deviam escorrer, pelo côncavo ou pelo convexo.
acabavam sempre por acatar newton e desciam sinuosas, como a desbravar terrenos áridos.
o lenço. o lenço era mais expressivo que o pescoço, a garganta e as cordas vocais, juntos.
quanta propriedade a língua tentava demonstrar, falhando miseravelmente a cada gole.
toda monotonia alcoólica, um quase-moralismo lapidado.
um moderno.
certamente era preferível um tinto a falar-me sobre le parkour.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

vidas-salvas

eram 3 minutos de dificuldade.
mas vá lá, eram apenas 3 minutos.
3 minutinhos, como dizem.
o tempo de um miojo.
se a água já estiver fervendo, claro.
o problema começa quando você está fervendo.
não importa se a fonte aumenta ou diminui, você vai continuar fervendo, se houver fonte.
e sempre há.
o problema não evapora. como bolhas pela pele, ele só vai ardendo mais.
e aí você percebe que os 3 minutos foram 3 horas.
mas pelo menos você não se afogou.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

a melhor re-descoberta das férias

i love death




lodger.tv

na rotina bege-sujo dessa rua

vou me deixar aqui, caso seja seu caminho.

oxige.nada

nunca aprofundei uma conversa com ela.
não conseguia me concentrar.
ela era tão bonita que ofuscava qualquer argumento que eu tivesse.
me hipnotizava.
era o tipo de pessoa que não faz nada demais, não diz nada demais, não quer nada demais... mas nossa, como era linda!
agora ela está loira e puxa, como perdeu a graça...

aquecimento

será que só eu enxergo alguma semelhança entre o sol e o inferno?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

(falta de) bom senso natalino

excesso de natal.
é disso que algumas pessoas sofrem nessa época.
uma árvore bem montada, umas luzinhas delicadas (ou seja: brancas e que não pisquem!), uma guirlanda coerente com a porta... tudo isso é bonitinho (não entrando no mérito natal-coca-cola-capitalismo-pleno-verão).
mas tem gente por aqui que enche o telhado de luzinha colorida piscando frenéticamente, na graminha da frente da casa coloca um papai noel inflável enorme, duas renas que piscam e uns doendes, na varanda mais pisca-pisca colorido, metade apagado (essas luzinhas não duram nada, não?), um papai noel pendurado numa escadinha, todo enrolado por causa do vento, estrelas mal posicionadas, com as cores dos states, que piscam independentes umas das outras, sem harmonia alguma, mangueirinhas luminosas formando corações toscos (que falta de nexo), árvores imensas com enfeites horrorosos só até onde um ser baixo e sem escada alcançou, neve artificial, e todo tipo de parafernalha natalina que se possa mensurar!

é natal ou carnaval?

conclusão esquisitinha

eu tenho medo de ganhar.

sábado, 29 de novembro de 2008

reflorestamento de nós

dentro das órbitas, esférica sequoia talhada
o cerne pupílico, envolto em humor
mitológica moléstia de visão petrificada
doce alburno, das chuvas interiores condutor
se dessa medula apenas vestígio, da outra, razão de ser
do seu lenho extraio estrutura
talhador exímio, arte pura
do seu olhar, meu florescer

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

sonho por sonho, caixa por caixa.

o que é frágil, recomenda-se separar e enrolar em toalhas.
desce as cinco prateleira ao chão. sobram os furos na parede.
atrás do poster, poeira.
embaixo da cômoda, poeira.
poeira metódicamente decantada por longos dezoito meses.
poeira que eu sacudi naquela manhã.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

alta voltagem, baixa amperagem

havia a borboleta.
asas alvas, cor de pérola. com as bordas pretas.
muito pequena e arredondada.
voava aquele vôo desesperado de borboleta:
plana-cai-plana-cai-plana.
começou a subir em gracioso zigue-zague, pendendo para a direita, como quem desejava pular aquele muro.
havia a cerca elétrica.
quatro honrosos fios de aço zunindo em uníssono.
as membranas escamadas em furta-cor, o ferro, o carbono...
funesto beijo no meio da minha terça-feira.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

manú

essa noite precisava de respostas.
não pedi respostas, nem dei alguma.
apenas segui o caminho habitual.
subi na escada que subia e, como se brotasse do chão, ela foi surgindo.
a garota surgia.
a escada surgia.
na minha frente, um pouco mais magra do que eu me recordava, uma das muitas garotas as quais eu costumava odiar há dois anos atrás, encontrava-se fumando.
cumprimentei-a como se ela fosse minha melhor amiga.
abracei-a forte. contei e escutei novidades. rimos.
não era uma antipatia adolescente se dissipando.
mais provável que fosse uma necessidade de me auto-mapear.
nada que os sentidos dela captaram a meu respeito era falso.
não sei se a recíproca é verdadeira.
desejei-lhe sorte e continuei a andar.

é esquisita a facilidade com a qual se pode ignorar o passado, caso isso lhe seja conveniente e confortável no presente imediato.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

como se escorregasse no próprio descuido

já reparou na proliferação de placas de "cuidado, piso escorregadio"?
parece que alguém percebeu que espalhando-as pelos estabelecimentos, os clientes nunca serão indenizados, caso se machuquem ao chocarem-se contra um piso seco.
paralelamente, sustento uma teoria de que haverão, num futuro pouco distante, novos desabamentos no metrô, já que este está infestado de goteiras, mesmo em dias ensolarados.
mas hoje choveu em são paulo.
boa oportunidade das plaquinhas serem adquadamente usadas.
ou não.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

detalhes

não por acaso logo acima do espelho repousa uma pequena máscara.
vulnerável veneziana equilibrada em bruto prego.
a porcelana branca fora coberta de tinta e purpurina por fino pincel, manejado com esmero.
vê-se por entre os olhos vazados, a paisagem.
não há gondolas em seus dutos lacrimais.
a boca, muito roxa, contrasta com o nariz alvo, sem tinta.
os olhos que lhes faltam ignoram o espelho.
a moldura rota, o reflexo imundo.
quem precisa dos olhos, tendo veneza?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

a caça ao turpente

queria explicar-te a lógica... esqueça!
não é que não lembre a bendita:
se eu tivesse mais tempo e tu mais cabeça...!
muita coisa inda tem que ser dita.

lewis.carroll

domingo, 9 de novembro de 2008

sábado, 8 de novembro de 2008

lembranças e memórias

ela não lembra o que almoçou ontem, e nem sabe em que ano estamos, mas me contou com detalhes como era sua primeira bicicleta.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

apenas uma concha vazia

durante minha jovem vida, tive a honra de conhecer pessoas raras.
desse coletivo precioso restam, hoje, uma grande quantidade de poeira e valorosos diamantes lapidados.
é muito bom saber que, embora com diminuta tripulação,
o barquinho ainda vai.

linhas tênues

era gorda. estava muito longe da obesidade, mas era gorda.
carregava unhas âmbar nas mãos e vemelho tomate nos pés.
vestia uma blusa de pano leve, muito larga, quase brilhante e com estampa de leopardo.
descia pelas pernas, até a tornozeleira, uma legging preta.
levava brincos típicos de 25 de março, prateados, assim como o relógio, e uma grande bolsa marrom com detalhes dourados.
tal tipo, muito mais comum do que possa parecer, nunca havia me chamado alguma atenção maior que um julgamento instantâneo sobre vestimentas inadequadas.
mas ela me chamou atenção.
me chamou atenção pelo que estava fazendo:
nas mãos, uma embalagem de prestígio era enrolada com toda cautela.
o nariz torto fitava o rolinho.
desenrolou.
começou a enrolar de novo, agora pelo lado aberto da embalagem.
desenrolou de novo.
enrolou com o lado de trás para a cima.
e assim seguiu nessa mistura de t.o.c., terapia ocupacional e fascinação.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

domingo, 2 de novembro de 2008

eu amo soja

é quase inadmissível a capacidade de renovação de espírito que um milk shake carrega.

sábado, 1 de novembro de 2008

alface americana

há tempos ando tentando escrever sobre você, e a cada tentativa frustrada, aumenta o grau do desafio.
não admiro saudosismos, mas antigamente parecia ser apenas um movimento indolor de girar a esfera metálica e fazer com que a fraternidade se espalhasse homogeneamente pela tinta.
agora não.
não por não haver mais esferas metálias.
não por não haver fraternidade.
por não haver tinta.

não se prende um suspiro em fibra ótica.
e nossa arte não cabe num pixel.

a festa

eu tenho disso, eu cicatrizo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

nas voltas do meu coração

tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu
a gente estancou de repente
ou foi o mundo então que cresceu

a gente quer ter voz ativa
no nosso destino mandar
mas eis que chega a roda viva
e carrega o destino prá lá

a gente vai contra a corrente
até não poder resistir
na volta do barco é que sente
o quanto deixou de cumprir

faz tempo que a gente cultiva
a mais linda roseira que há
mas eis que chega a roda viva
e carrega a roseira prá lá

terça-feira, 28 de outubro de 2008

claustransporte

pode parecer até mesmo irritante que se volte sempre às reflexões metrônianas, mas explico-me:
creio que as melhores fontes de inspiração são os flashs de vida alheia, captados em momentos de ócio criativo.
ócio criativo, em rotina paulista, é quase que somente a janela do trem, do ônibus, do carro.
agora, pra quem anda só de metrô, a paisagem é penumbra.
logo, voltasse a atenção para o entre-portas, e os motivos se repetem.
eu perco no mínimo 1 hora por dia no subterrâneo da paulicéia. porque eu moro perto.
isso sem contar as passagens de tempo sem nexo algum.
exemplo: saio às 7:30 para chegar às 8.
se saio às 7:40 chego às 8:25, mas se saio 7:45, chego às 8:10.
surreal, não?
isso é são paulo.

domingo, 26 de outubro de 2008

as duas

a primeira era muito velha e tossia excessivamente.
não chegava a ser mendiga, mas carregava um semblante carregado de sofrimento, uma mochila vagabunda e um grande saco plástico com, o que imagino serem, artigos de camelô.
usava camiseta politicamente panfletária, de anos atrás. e um boné surrado de uma marmoraria qualquer. usava óculos e sabia ler, como deduzi, ao notar seus olhos correrem, linha a linha, por entre as qualidades da faculdade anhanguera.

a segunda não tive demasiado tempo para observar.
era anã. não possuia altura maior que a de uma criança de 10 anos, mas não lhe atribuiria nenhum outro aspecto infantil.
toda tatuada, com minissaia de grife e belíssimos cabelos que despencavam por sobre suas curtas costas.
se mostrava sensual, a sua maneira.
subiu a escada como se prometida à um nobre.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

como uma luva

eu me lembro de você ter falado
alguma coisa sobre mim
e logo hoje, tudo isso vem à tona
e me parece cair como uma luva
agora, num dia em que eu choro
eu tô chovendo muito mais do que lá fora
lá fora é só água caindo
enquanto aqui dentro, cai a chuva

e quanto ao que você me disse
eu me lembro, sorrindo
vendo você tão sério
tentar me enquadrar, se sou isso
ou se sou aquilo
e acabar indignado, me achando totalmente impossível
e talvez seja apenas isso:
chovendo por dentro
impossível por fora

eu me lembro de você descontrolado
tentando se explicar
como é que a gente pode ser tanta coisa indefinível
tanta coisa diferente
sem saber que a beleza de tudo
é a certeza de nada
e que o talvez torne a vida um pouco mais atraente

e talvez, a chuva, o cinza,
o medo, a vida, sejam como eu
ou talvez , porque você esteja, de repente
assistindo muita televisão
e como um deus que não se vence nunca
o seu olhar não consegue perceber
como uma chuva, uma tristeza, podem ser uma beleza
e o frio, uma delicada forma de calor

baleiro.lobão

cartola

ainda é cedo, amor
mal começaste a conhecer a vida
já anuncias a hora de partida
sem saber mesmo o rumo que irás tomar

preste atenção, querida
embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco tua vida
em pouco tempo não serás mais o que és

ouça-me bem, amor
preste atenção, o mundo é um moinho
vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
vai reduzir as ilusões à pó

preste atenção, querida
em cada amor tu herdarás só o cinismo
quando notares estás à beira do abismo
abismo que cavastes com teus pés

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

the souvenir

ela canta mal.
nos intervalos, vai lá fora acender suas mentiras.
a fábrica lhe pagava com migalhas. virou puta.
comprou tênis de marca.
uma puta de tênis. taí algo complexo.
descobriu uma música nova no myspace.
uma espécie de folk valsado.
se idenificou com a melodia fora de moda dos banjos e do acordeon.
o cantor é um garoto pretensioso.
classe média alta, querendo aparecer.
amigo da patricinha que deu sorte em cair nas graças de gente famosa.
baba-ovo interesseiro.
ela acha tudo uma bobagem.
todo mundo odeia todo mundo até vislumbrar uma micro-chance de se dar bem pegando carona na competência alheia.
baba-agem.
ela quase se fundia com a poça d'água, tamanho tempo dedicado àquela infundada observação.
ela nem via a poça.
eram 4 da manhã e ela sentara no meio-fio, fumando um cigarro, para livrar os pés dos saltos e esticar as pernas.
saudade do tênis.
a poça era rasa mas serviu para refletir o medonho estado dos cabelos dela.
ela sabia que cantava mal.

a incompetência deveria doer.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

cinefilia crônica

se as palavras me faltam é porque é minha vez de nutrir-me.
esse mês do ano, no qual eu mesma fui concebida, redescubro-me na luz que não é de minha mãe.
recolho-me ao útero seco, e compartilho a escuridão.
cada crédito que sobe é um novo amanhecer.

.ferréz

deveria vir livro em cesta básica.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

do agora à aurora

toda noite brotam pequenas luzes verdes pelo quarto.
sem hesitar, beijam o lustre enquanto a lâmpada amarela repousa.
tal adúltero eclipse cria, no teto, uma cúmplice sobreposição de sombras minguantes.
pela janela, resquícios do dia anterior.
a luz da lua, que não é dela, moldada nas treliças, passeia pelo quarto.
de manhã os riscos dançantes tornam-se mais fartos.
porém mais tenros.
não mais carregam a aura vulgar da escuridão, e desanuviam meu contemplar sonolento.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

os espertos ao contrário

ela é a beira do mundo.
o transborde desprendido da última gota.
a suposta prepotência de deus.
o que corre nos fios e nas veias.

ela é ruim.
e já foi humana.
hoje brinca de homem par.
o trocadilo copião.

ela ou ele ou o que será.
o que seria de nós sem ela.
o que seria, será, ou não?

ela estamira.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

encontro marcado

quem assiste um corpo dormir flerta com os mistérios do ser.
proporciona-me fascínio e angústia o fato de que tal corpo, um dia, será apenas um corpo.
e por esse corpo sentirei repulsa, pois não estamos falando de corpo.
a camisa sanguínea há de perecer.
o ser permanece.
em tela, em letra, em película,
em saber, em sentir,
em mim.

domingo, 12 de outubro de 2008

todas as crianças que não fomos

em 1761, com 5 anos, um adorável garotinho começava a compor minuetos.
1 ano após seu próprio nascimento, um pequeno perturbado fora abandonado pelo pai e, mais um ano depois, em 1811, presenciou a morte da mãe.
em ulm de 1879, nasceu um gênio.
em abril de 1893, um outro garotinho completava, finalmente, 4 anos.
em 1907, aos 2 anos de idade, o estrábico mais confiante do mundo perdia o pai.
também aos 2 anos de idade, em 1922, aquela indescritível ucraniana, desembarcava em maceió.
em 1946, aquele menino encantador foi morar com a tia mimi.

o que você foi quando era criança?

sábado, 11 de outubro de 2008

bem.ditas

benditas coisas que eu não sei
os lugares onde não fui
os gostos que não provei
meus verdes ainda não maduros
os espaços que ainda procuro
os amores que eu nunca encontrei
benditas coisas que não sejam benditas

a vida é curta, mas enquanto dura
posso durante um minuto ou mais
te beijar pra sempre o amor não mente,
não mente jamais.
e desconhece do relógio o velho futuro
o tempo escorre num piscar de olhos
e dura muito além dos nossos sonhos mais puros

bom é não saber o quanto a vida dura
ou se estarei aqui na primavera futura
posso brincar de eternidade agora
sem culpa nenhuma


mart'nália.e.zélia.duncan

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

.instantes antes

por volta das onze e meia da manhã aluguei, na faculdade, uma câmera fotográfica, para concluir um trabalho pendente. como o tempo de empréstimo era vasto, eu e o andré aproveitamos para tirar algumas fotos pelo prédio. um dos pontos escolhidos foi a janela do terceiro andar, que tem sua vista para a avenida paulista, no sentido consolação.
além de fotos da avenida em si, com seus pedestres-guarda-chuva, bati uma foto dos banquinhos da área comum do prédio residencial ao lado, e o andré focou as janelas deste mesmo prédio.
acredito ter sido a terceira ou quarta vez que dei alguma atenção para a bela vista daquele local, em quase dois anos.
pois bem, o fato é que cerca de meia hora mais tarde voltamos ao terceiro andar e vimos uma grande aglomeração de pessoas exatamente naquele espaço e, conforme nos aproximávamos, ouvíamos rumores, hipóteses, risadas sádicas e todo tipo de reação ao mórbido.
no chão, abaixo das janelas e perto dos banquinhos, havia um homem morto.
o corpo já estava coberto. bati uma foto sem saber direito porque. cogitei a idéia de vendê-la a algum jornal, considerando-a vergonhosa e absurda logo em seguida. resolvi apagá-la. não apaguei. algum motivo me fez hipnotizada pela foto. não vi o desfecho da cena real, não espalhei a notícia, não pensei muito sobre tudo isso.
apenas senti profundamente aquele misto de frágil-banalidade.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

o cisne e a raposa

a raposa nunca machucou o cisne.
e assim começa.
a raposa nunca machucou o cisne.
o homem machucou.
o homem e sua ganância acabaram com toda uma fauna na cidade de papel.
valdivia, no chile, teve seu grande pantanal, que possuía uma colônia de mais de 7000 cisnes, destruído (de 2004 até hoje) por uma fábrica de papel.
a segunda mais lucrativa do mundo.
a política hipócrita, contraditória, burocrática e corrupta (que sabidamente não é exclusividade dos chilenos) nada fez além de complicar a resolução implorada pela população que, em ato contínuo, corajoso e admirável, se mobiliza até hoje em prol da causa.
pelo menos eles se mobilizam, não?
a raposa, por sua vez, foi pra toca ler sponville e entender que se a esperança se manteve no fundo da caixa de pandora, não foi por ser uma quase-desculpa divina, e sim por ser o mais denso dos males.

domingo, 5 de outubro de 2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

caio.fernando.abreu

tenho tentado aprender a ser humilde. a engolir os nãos que a vida me enfia pela goela a baixo. a lamber o chão dos palácios. a me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar um café e continuar.

a filosofia e o extra

kotsuka diz:
encontrei com a lia um mês atrás... no extra.
ficamos batendo moh papo, com bossa nova de fundo, no setor de frango.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

podres poderes

favor não confundir a resistência do oprimido com a violência do opressor.

quase um segredo

a menina das duas tranças tem um tribal no tornozelo e uma filha pra criar.
a menina das duas tranças sempre esteve perdida na vida.
mas quem disse que a vida tem mapas?

terça-feira, 30 de setembro de 2008

beleza americana

“foi num desses dias, quando está prestes a nevar e há uma eletricidade no ar.
você quase pode ouvir, certo?
e este plástico estava simplesmente dançando para mim como uma criança chamando para brincar... por quinze minutos.
foi quando entendi que havia essa vida toda por trás das coisas e essa incrível força benevolente que dizia não haver razão para ter medo.
no vídeo, eu sei, não é a mesma coisa, mas ajuda a lembrar.
e eu preciso lembrar.
às vezes, há tanta beleza no mundo!
penso que não vou suportar e meu coração parece que vai sucumbir.”

domingo, 28 de setembro de 2008

perfeição

vamos celebrar a estupidez humana
a estupidez de todas as nações
o meu país e sua corja de assassinos
covardes, estupradores e ladrões
vamos celebrar a estupidez do povo
nossa polícia e televisão
vamos celebrar nosso governo
e nosso estado, que não é nação
celebrar a juventude sem escola
as crianças mortas
celebrar nossa desunião
vamos celebrar eros e thanatos
persephone e hades
vamos celebrar nossa tristeza
vamos celebrar nossa vaidade.

vamos comemorar como idiotas
a cada fevereiro e feriado
todos os mortos nas estradas
os mortos por falta de hospitais
vamos celebrar nossa justiça
a ganância e a difamação
vamos celebrar os preconceitos
o voto dos analfabetos
comemorar a água podre
e todos os impostos
queimadas, mentiras e sequestros
nosso castelo de cartas marcadas
o trabalho escravo
nosso pequeno universo
toda hipocrisia e toda afetação
todo roubo e toda indiferença
vamos celebrar epidemias:
é a festa da torcida campeã.

vamos celebrar a fome
não ter a quem ouvir
não se ter a quem amar
vamos aumentar o que é maldade
vamos machucar um coração
vamos celebrar nossa bandeira
nosso passado de absurdos gloriosos
tudo que é gratuito e feio
tudo que é normal
vamos cantar juntos o hino nacional
(a lágrima é verdadeira)
vamos celebrar nossa saudade
e comemorar a nossa solidão.

vamos festejar a inveja
a intolerância e a incompreensão
vamos festejar a violência
e esquecer a nossa gente
que trabalhou honestamente a vida inteira
e agora não tem mais direito a nada
vamos celebrar a aberração
de toda a nossa falta de bom senso
nosso descaso por educação
vamos celebrar o horror
de tudo isso - com festa, velório e caixão
está tudo morto e enterrado agora
já que também podemos celebrar
a estupidez de quem cantou essa canção.

venha, meu coração está com pressa
quando a esperança está dispersa
só a verdade me liberta
chega de maldade e ilusão

venha, o amor tem sempre a porta aberta
e vem chegando a primavera
nosso futuro recomeça
venha, que o que vem é perfeição.

sábado, 27 de setembro de 2008

porques

- meu, o snoopy é vegetariano?
- não que eu saiba, por que?
- porque eu já vi várias coisas vegetarianas, tipo... camisetas, orkut de vegetariano, flyer de festa vegana.... relacionadas a imagem dele.
- acho que é porque ele é um cachorro, e é legal.
- por que não o floquinho?
- ah, ninguém nem sabe que bicho é o floquinho, e ele é submisso ao cebolinha. o snoopy até filosofa.
- e por que não o garfield?
- o garfield come lasanha.
- ah, é.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

o pior site do mundo

http://www.lalalalalalalalalalalalalalalalalala.com/



vicia.

missão dada, missão cumprida.

- 1,2,3...testando.
- na escuta, prossiga.
- peço reforços na área 1.
- entendido, câmbio.
- necessito também de autorização para aproximação imediata.
- sem problemas, capitão. mais alguma coisa? câmbio.
- te amo.

caldo de cana.

tudo começou com uma idéia.
é claro, tudo sempre começa assim.
quase que de repente, a idéia ganhou cor.
11 horas depois, ganhou luz.
eu ganhei uma árvore
e nós perdemos a tradição.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

assim não pode, assim não dá!

sua professora quer que você cite filósofos ao invés de pensar com a própria cabeça.
seu melhor amigo considera os sofistas sujos e quer conclusões.
sua mãe carrega o celular errado.
seu namorado quer assistir "hellboy 2".
e você mora com uma pessoa que diz que o microondas dá leptospirose.


onde eu assino minha demissão?

dia desses

a felicidade deve se esconder em algum canto entre terça e sábado.

uma história romântica

ele perguntou que horas eram, mas ela não tinha relógio.
ela pensou em olhar no celular, mas lembrou que este estava no fundo da bolsa e considerou trabalhoso demais procurá-lo agora.
mesmo assim ele sentou ao lado dela.
permaneceram alguns minutos em silêncio.
ele abriu a própria mochila, empurrou alguns papéis pra lá, a blusa de frio pra cá, esticou o braço e resgatou um pacotinho aberto e amassado de trident sabor menta.
antes de se servir ofereceu o protótipo de pacotinho para ela.
ela sorriu e aceitou.
eram 17:25.

domingo, 21 de setembro de 2008

secret smile

ele sorria, apesar de tudo.
não sabia ao certo quem era, tampouco onde estava ou para onde devia ir.
mas ele sorria.
sorria um riso sincero.
ria à toa sem ser rico, ou louco.
descobriu que ainda respirava.
e ria porque era preciso.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

das pérolas diárias

duas senhoras observam, da calçada, um new beetle.

-é uma graça esse carro, não?
-é mesmo... você sabe que esse é o fusca brasileiro, né?


¬¬

terça-feira, 16 de setembro de 2008

os de papel

eu não tenho estante. mas tenho livros.
eles se acotovelam em uma prateleira crua.
gostaria de ter mais do que tenho.
e quem não gostaria?
ainda assim, há uma pequena porcentagem dos que ainda não foram lidos.
ou melhor, dos que ainda não foram terminados.
cada livro é um pouco de mim.
talvez eu seja um pouco, em cada livro.
talvez eu seja mesmo somente nas entrelinhas.
nada alcança a profundidade que um livro pode alcançar.
minha tecnofascinação sem tomada.
marco páginas com uma dama de copas.
influências.
já são muitos os baralhos incompletos.
marco passagens que me fazem sentido.
com lápis, caneta, marca-texto.
não importa.
já tive pudores.
não os conservo mais.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

mais que isso

um mês pode ter 30 dias.
pode ter 31 ou 28.
nos anos bissextos, um mês pode ter 29 dias.
ainda assim, segundo o ponto de vista cego do calendário gregoriano.
são 12, os meses.
a soma dos primos 5 e 7.
meu pai nasceu em um dia 7.
eu nasci no dia 5.
5, como os continentes, ou os sentidos.
do mês 10, do ano 1988.
somando a data até restar um único algarismo, este será 5.
minha mãe nasceu no dia 23.
2+3=5.
5 é o único número escrito nesta língua que possui o mesmo número de letras que representa.
"ano" é o nome da trupe dos 12 meses, que geralmente carregam 365 dias.
[365 somados até 1 algarismo, também dá 5]
mas entre anos, meses e dias, existem as semanas.
cada uma com 7 dias, e isso não se discute.
7 como os mares, as cores do arco-íris, as notas musicais.
[que juntamente com os 5 semitons, formam a escala dos 12 sons]
7 como os pecados, as chagas, as maravilhas do mundo.
7 como a soma das faces opostas de um dado.

domingo, 14 de setembro de 2008

precipita, hidrológica!

a poça engole a chuva
e engorda pelo asfalto.
com e conforme o tempo,
evapora e condensa.

gota, nuvem, vento.
a fina garoa coadjuva
do alto,
protagoniza a chuva intensa.

aquosa fênix
silenciosa,
como deus quis.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

em suas veias corre muito pouco sangue

na mão direita tem uma roseira autenticando eterna primavera,
e nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira entre os girassóis.

caetano.veloso

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

terça-feira, 9 de setembro de 2008

transporte público

ao chegar à estação ana rosa do metrô, hoje pela manhã, me deparei com um mar de gente digno da linha vermelha. nunca estivera tão cheia a plataforma. e o mais curioso: reinava o silêncio.
o primeiro trem veio já lotado e poucos puderam embarcar.
antes mesmo de chegar, uma voz do além alertou a todos que o segundo trem não prestaria serviço naquela estação.
houve um burburinho rápido, como uma estreita revolta que conseguisse se espremer pelas gargantas engravatadas e se libertasse em forma de gemido.
segundos depois o trem passou. vazio.
imagino que a situação no paraíso, a estação seguinte, estivesse ainda mais caótica que ali.
o terceiro trem chegou e mesmo quem não queria embarcar, embarcou.
os pés equilibravam-se nos saltos, as mochilas pesavam nas costas e a temperatura destoava dos 14 graus que reinavam alguns metros acima.
R$2,30 para se meter naquela situação. a melhor opção.
ou poderia gastar a mesma quantia para meter-me em um ônibus tão lotado quanto, que, apesar de pegar um caminho mais curto, demoraria o triplo para completá-lo.
são paulo tem o metrô mais lotado do mundo?
agora conta uma novidade.

sábado, 6 de setembro de 2008

fotossensibilidade

a luz do sol reflete na água que o porteiro desperdiça na calçada.
reflete também nos ladrilhos brancos da mesma, revelando um tapete de purpurina.
reflito, andando sobre a via láctea.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

onírica

eu me sinto ausente de mim.
acabo esquecendo boa parte do que vivo por simples falta de presença.
há conversas, calorosas discussões e conclusões quase sempre previsíveis.
há trabalhos, dedicações e boas notas que não valem nada.
há filosofias de vida, restrições e receitas enfiadas guela abaixo.
afora não saber nada sobre o futuro, não ter residência fixa e viver perdendo a hora.
curiosamente não há acúmulo de melancolia.
provavelmente eu vou pra algum lugar bom enquanto minha vida passa.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

céu da boca

...é que um beijo vale mais que mil palavras
e eu tenho tanta coisa aqui pra te dizer
o silêncio fala tudo e não diz nada
e o silêncio fica imenso sem você
o silêncio tanto agride como agrada
e o meu lábio faz silêncio pra te ver

um lábio sabe mais que um sábio diz saber
a língua lambe mas não sabe o que dizer
a lábia fala mas não faz acontecer
e o silêncio fica imenso sem você

se você pudesse vir, se você pudesse ver
aqui dentro, onde o tempo não soprou o vento que faz esquecer
um lábio vale mais que muito lábia
e o meu lábio lambe os beiços por você

o mel da boca adoça mas engasga
o céu da boca engole trovoadas
a língua fala mais que mil palavras
melada, molhada, calada

vem aprender, deixa a vida ensinar
se a vida não souber, a gente pode improvisar
é que a vida ensina mais a quem deixa ela falar
deixa a vida em si ensinar, deixa eu te beijar.

(...é que um beijo...)


gabriel.o.pensador

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

abajur cor-de-carne

olha, da pessoa poder ser EXPOSTA e ALUGADA em vida, é a primeira vez que eu vejo, mas a prática dos tatuados venderem a pele para japoneses (sempre eles) transformá-los, no pós-morte, em abajures, já é semi-comum.

o que, aliás, é uma versão legalizada do que [dizem] já era feito no nazismo e [não dizem, mas...] por "hannibal's", no geral.


[pra isso pode alugar o corpo, né?]

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

agulhada

toda cicatriz [ainda que colorida e muito bem paga] é uma forma física de contagem temporal.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

2/2 de vocês

primeiro de vocês: açúcar cristal.
luz.
daquela lente pra tela.
da tela pra sua lente.
da sua lente pro cristalino.
do cristalino pra minha lente.
da minha lente pra minha tela.
meios refrativos, meios termos, meia luz.

segundo de vocês: alucinação.
não foi sem querer.
eu não acredito em coincidências.
eu não estava lá por acaso.
você não estava lá por acaso.
com a sutileza de um soco no estômago, o momento passou.
foi como perder uma oportunidade da qual se espera a vida inteira.
o tipo de coisa que não se recupera, nem se compensa.
foi uma perda.

uma metade de vocês: palpite.
sandália de plástico.
saudades do que não conheço bem.
um relance, vislumbre, quase-que-quase.
desejo.

e por fim: a cadela no cio.
cada poro muito bem pago.
gemendo com a naturalidade de um petroleiro.
o ambiguo cheiro de dama-da-noite.

eu ainda tenho um cílio preso na pupila.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

vitoriosa

quero sua risada mais gostosa
esse seu jeito de achar
que a vida pode ser maravilhosa

quero sua alegria escandalosa
vitoriosa por não ter
vergonha de aprender como se goza

quero toda sua pouca castidade
quero toda sua louca liberdade
quero toda essa vontade
de passar dos seus limites
e ir além.

domingo, 24 de agosto de 2008

sábado, 23 de agosto de 2008

diante do bolo aceso

comemorava sim.
via beleza em somar outros 365 dias em sua existência,
apesar de não conseguir se desvencilhar da idéia de que eram 365 dias roubados do futuro.
não que sua vida tivesse um teor admirável, talvez fosse o contrário,
mas a plenitude soterrada é sempre resgatada enquanto o tambor gira.
e ela sempre gostou da previsão do tempo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

ainda

as entradas do meu rosto
e os meus cabelos brancos
aparecem a cada ano
no final do mês de agosto.

há vinte anos você nasceu
ainda guardo um retrato antigo
mas agora que você cresceu
não se parece nada comigo.

esse seu ar de tristeza
alimenta a minha dor
tua pose de princesa
de onde você tirou?

amanhã é 23
são 8 dias para o fim do mês
faz tanto tempo que eu não te vejo
queria o seu beijo
outra vez.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

clorofila

tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
o vento da vida pôs-te ali.
a princípio não te vi:
não soube que ias comigo,
até que as tuas raízes atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.


pablo.neruda

vem virar renascença

essa regra não vale mais.

e também não quero outra.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

sombra inquieta

sê bom. mas ao coração
prudência e cautela ajunta.
quem todo de mel se unta,
os ursos o lamberão.

mário.quintana

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

o cavalo anda em L

tudo indicava que a rainha enlouqueceria muito antes do xeque-mate.
entre as torres, os cavalos indomáveis perturbavam o sono dos bispos.
os peões, em grande muralha, avançavam lentamente à esperança de nobreza.
o rei era cego em terra de visionário, os bispos sempre saíam pela tangente e a rainha perdia a sanidade a olhos vistos.
quando o velho gato da duquesa sorriu, já era tarde.
o críquete virou chá e os cavalos, flamingos.
de última hora o rei apático tentou um roque, bebeu um mate e chamou por euler.
mas o cavalo já havia passado por ali.
não era março, mas a lebre brigou com o tempo e exigiu um tribunal.
o julgamento foi marcado para ontem, mas ninguém apareceu.

domingo, 17 de agosto de 2008

relatividade

em domingos insípidos como esse, eu chego a sentir falta da avalanche de e-mails que a coordenadoria da faculdade me manda em dias "úteis".

todo o direito

eu apóio essa causa.

sábado, 16 de agosto de 2008

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

a bagagem do viajante

não invento nada.
faço esta declaração imediata porque adivinho já os sorrisos solertes ou desconfiados daquela gente para quem o extraordinário é sempre sinônimo de mentiras.
essas pobres pessoas não sabem que o mundo está cheio de coisas e momentos extraordinários.
não os vêem, porque para eles o mundo aparece coberto de cinzas, comido de verdete baço, povoado de figuras que usam roupas iguais e falam da mesma maneira, com gestos repetidos sobre gestos já feitos por outros desaparecidos seres.
é gente para quem talvez não haja outro remédio, mas a quem devemos continuar a dizer que o mundo e o que está nele não são o tão pouco que julgam.

josé.saramago

terça-feira, 12 de agosto de 2008

tudo aquilo que

eu sabia que ela sabia.
talvez por isso mesmo não a tenha ajudado. ou talvez porque ela parecesse...você sabe, experiente demais para pedir ajuda.
não posso afirmar que foi a réstia de luz daquela garagem, cortando a penumbra, que fez seu olhar parecer desesperado. aquela garota suja e indigna me pediu ajuda naquele olhar. e aquele maldito silêncio ecoava seus passos, e não se sabe em qual deles ela desistiu.
é preciso estar preparado para desistir em qualquer esquina.
incompatibilidade talvez fosse a palavra que ela procurava.
procurou na letra errada.
não ajudei.
e aquele maldito silêncio toc-toc agora sujava seus pés.
ela sabia o que aconteceria se

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

sidarta

as palavras deturpam sempre o sentido arcano. todas as coisas alteram-se, logo que lhes pronunciamos o nome. então se tornam levemente falsas e ridículas... pois é.
mas, olha, até isso acho bem feito. aprovo inteiramente e com o maior prazer o fato de que aquilo que para uma pessoa é um tesouro e uma grande sabedoria represente para os demais homens, rematada tolice.

hermann.hesse

sábado, 9 de agosto de 2008

não sei se a rosa é de rosa, matéria plástica ou pano.

e eu sei que as duas são minhas,
mas pra quê que eu quero rosas?
pra cheirar, comer, sei lá...
pra gostar, pra jogar fora.


caetano.veloso

abc

- você inventa essas ordens suas e depois eu nunca acho o disco que eu quero!

- mas pai... é ordem ALFABÉTICA!

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

em cima do muro

o meu pai já me dizia "a vida é uma senóide", e eu não tenho nada contra fases boas ou ruins, o que muito me amedronta é esse meio termo bobo.

medo

Fernando diz:
eu to virando paiva por osmose.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

.no hay banda.

banda mesmo, não havia.
havia a garota que nunca estivera no clube silêncio, mas já morrera no palco.
a chorona de los angeles também não havia.
nem veludos, nem impérios, nem elefantes.
havia a caixa azul. a maldita, a famigerada.
havia seus cabelos brancos, seu sorriso calmo, sua boa vontade.
e de repente, não havia mais nada.


[cheers.]

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

quem de dentro de si não sai vai morrer sem amar ninguém.

moreno dos olhos d'água,
tira os seus olhos do mar.
vem ver que a vida ainda vale
o sorriso que eu tenho pra te dar.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

na cova dos leões, ou: como prender uma abelha numa bola de sabão.

quando a luz acendeu ela chorava. eu nunca.
ela me convenceu a descer aquela escada que sempre me apavorou por despertar uma sinapse irreversível.
hesitei. passei os olhos (ah, os olhos...) pelos papéis coloridos na parede e foi como aprender a história do universo em dois segundos. desci.
papel velho e elvis. não descarto a possibilidade de estes serem os principais ingredientes para aquilo que alguns chamam de “sentido”.
respirei fundo e agradeci por não ser alérgica a nostalgia.
colhi uma angústia entre os ramos de metal e, por ser aquele mês do ano, uma maçã no escuro para aquela.
mas talvez aquela não tenha fome de mim.

domingo, 3 de agosto de 2008

segundo futuro

nesses deslocamentos conheci uma porção de gente que achei interessante, exatamente aqueles, aliás, que mais se pareciam comigo. mas já que éramos tão parecidos, não aprendi grande coisa com eles.
a maior parte, a clássica coleção de medíocres e canalhas, santos, tolos, malucos e enganadores, substância de que é feita a humanidade em geral.
estive por aí nesse mundo um tempão, sem sofrer muito, sem ser muito feliz, sem saber ao certo o que era certo, sem ter certeza do que era melhor para mim, sempre pensando e (às vezes) dizendo, quem sabe, não tinha nada escrito, vamos deixar com está para ver como é que fica.

paulo.leminski

quinta-feira, 31 de julho de 2008

hoje acordei meio nazista

197 milhões de vítimas de "desastres" naturais nos últimos 8 anos?

eu acho pouco.

não sei se me levo ou se me acompanho

eu sinceramente não entendo esse medo patológico que é nutrido nas entranhas das pessoas.
essa eterna mania, medíocre e covarde, de achar que estar mal acompanhado é melhor que estar só.

ora bolas

era o que me faltava!

terça-feira, 29 de julho de 2008

genaro, meu bem.

quando o garçom da pastelaria burguesa, vizinha à minha casa, começou a assobiar “maria chiquinha” enquanto guardava as mesas para fechar o estabelecimento, eu não acreditei.
era cômico demais pra ser real.
mas lá estava ele, quase meia noite em seu uniforme azul, dobrando mesas e assobiando.
por que raios “maria chiquinha”?
ele é novo, cara de primeiro emprego e fã em potencial da jovem pan.
o que, afinal, serviu de gatilho para que “maria chiquinha” fosse brutalmente empurrada do inconsciente para o consciente?
de repente me dei conta de que esses são momentos plenos.
o dele, não o meu.
você pode imaginar a paz de espírito que uma pessoa precisa ter para, depois de um dia de trabalho, servindo pastéis de 12 reais para crianças vestidas de mini-adultos, conseguir assobiar “maria chiquinha”?
constatar isso foi quase uma inveja.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

hollywood

"caí em meu patético período de desligamento. muitas vezes, diante de seres humanos bons e maus igualmente, meus sentidos simplesmente se desligavam, se cansam, eu desisto.
sou educado. balanço a cabeça. finjo entender porque não quero magoar ninguém. este é o único ponto fraco que tem me levado à maioria das encrencas. tentando ser bom com os outros, muitas vezes tenho a alma reduzida a uma espécie de pasta espiritual.
deixa pra lá. meu cérebro se tranca. eu escuto. eu respondo.
e eles são broncos demais para perceber que não estou mais ali."

bukowski

piercing

"quando o homem inventou a roda
logo deus inventou o freio.
um dia, um feio inventou a moda,
e toda roda amou o feio"

pra elevar minhas idéias não preciso de incenso.
eu existo porque penso tenso (por isso insisto).
são sete as chagas de cristo,
são muitos os meus pecados.
satanás condecorado na tv tem um programa.
nunca mais a velha chama,
nunca mais o céu do lado,
disneylândia,eldorado...
vamos nós dançar na lama.

bye bye adeus gene kelly.
como santo me revele.
como sinto,como passo,
carne viva atrás da pele.
aqui vive-se à mingua,
não tenho papas na língua,
não trago padres na alma,
minha pátria é minha íngua.
me conheço como a palma da platéia calorosa.
eu vi o calo na rosa.
eu vi a ferida aberta.
eu tenho a palavra certa pra doutor não reclamar.
mas a minha mente boquiaberta
precisa mesmo deserta
aprender aprender a soletrar.

tire o seu piercing do caminho que eu quero passar com a minha dor.

não me diga que me ama.
não me queira,não me afague.
sentimento pegue e pague.
emoção compre em tablete.
mastigue como chiclete,jogue fora na sarjeta.
compre um lote do futuro
cheque para trinta dias
nosso plano de seguro cobre a sua carência.
eu perdi o paraíso mas ganhei inteligência,
demência, felicidade,
propriedade privada.
não se prive, não se prove.
don't tell me "peace and love".
tome logo um engov pra curar sua ressaca.
da modernidade essa armadilha,
matilha de cães raivosos e assustados.
o presente não devolve o troco do passado.
sofrimento não é amargura.
tristeza não é pecado.
lugar de ser feliz não é supermercado.

tire o seu piercing do caminho que eu quero passar com a minha dor.

o inferno é escuro
não tem água encanada
não tem porta, não tem muro
não tem porteiro na entrada.
e o céu será divino, confortável condomínio,
com anjos cantando hosanas nas alturas.
onde tudo é nobre e tudo tem nome
onde os cães só latem pra enxotar a fome.
todo mundo quer subir na vida.
se subir ladeira, espere a descida.
se na hora "h"o elevador parar
no vigésimo quinto andar
e der aquele enguiço
sempre vai haver uma escada de serviço.

tire o seu piercing do caminho que eu quero passar com a minha dor.

todo mundo sabe tudo,
todo mundo fala,
mas a língua do mudo,
ninguém quer estudá-la.
quem não quer suar camisa não carrega mala.
revólver que ninguém usa não dispara bala.
casa grande faz fuxico quem leva fama é a senzala.
pra chegar na minha cama tem que passar pela sala.
quem não sabe dá bandeira,
quem sabe, sabia e cala.
porta-bandeira não é mestre-sala.

e não se fala mais nisso.

zeca.baleiro

domingo, 27 de julho de 2008

sábado, 26 de julho de 2008

ócio não tão criativo

.lp. diz:
má ôe

.Kotsuka. diz:
má vem pra cah vem.. iiihiiii
eh da caravana de onde?

.lp. diz:
itaquera!

.Kotsuka. diz:
uma salva de palmas pra caravana de itaquera.. oeeeeeeee!

.lp. diz:
silvio! ô seu silvio! eu adoro você, viu? adoro seu programa.

.Kotsuka. diz:
maah muito obrigado pelo carinho.. e vc vai participar da brincadeira? a brincadeira eh i seguinte, pega o martelo, e tem que martelar o prego em menos batidas hein.. 1, 2, 3, PIM!

.lp. diz:
eu vô tentá, silvo!

.lp. diz:
1-2-3 pim

.lp. diz:
5-6-7 pim

.lp. diz:
9-10-11 pim

.lp. diz:
12...ah,droga!

.lp. diz:
[mais uma chancê! mais uma chancê!]

.Kotsuka. diz:
aooooooo perrrdeu.. perrrdeu..
mah eu num posso deixar vc brincar de novo pq todas essas mulheres querem birncar tbm.. mas pra senhora num sair de mãos abanando, enfia a mão no meu bolso e pega uma nota.. vai, pode enfiar, pega uma nota..

.lp. diz:
ai, silvo, vô enfia, hein? dá licença!

.Kotsuka. diz:
mah vah com vontade hein.. vai com tudo!

.lp. diz:
100 reais!
o/ EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

.Kotsuka. diz:
HIIIIIIIIIIIHIIIIIIIIIIIIII..
meus parabéns minha senhora, agora vah pra lah que tem mais senhoras querendo brincar aqui.. vah pra lah vah.. ROQUEEEEEEEEEEEEEEEEE leva a senhora pro lugar dela..

.lp. diz:
\o/ \o/ \o/ \o/ \o/
ritmuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
é ritmo de festaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

.Kotsuka. diz:
mah e agora hein.. eh a pegadinha do ivo holanda?

créu

a morena manifestou sua sede, levantou-se, dirigiu-se para a cozinha, pegou um copo e começou a enchê-lo com água do filtro.
a ruiva seguiu-a e, entrando na cozinha, comentou despretensiosamente:
- acho tão estranho quem bebe água sem ser gelada.
a morena levou o copo à boca, saboreou toda a insipidez líquida em temperatura ambiente e olhou calmamente para a ruiva:
- não é por nada não... mas você não bebe leite.

dona geisa

dona geisa, cinqüenta e sete anos, era obcecada por flores.
seu pequeno apartamento, abarrotado de vasinhos, cheirava fortemente à terra úmida. aposentada, viúva e sem filhos, dedicava todo seu tempo à arte da jardinagem.
plantava violetas, regava bromélias, limpava com um paninho fofo, sem pressa e com uma delicadeza irritante, cada folha de seu lírio-da-paz.
as janelas eram mantidas abertas para que cada plantinha (e nenhuma mais que as outras) recebesse luz solar.
ela invejava as plantas.
tão quietas, tão frias, tão vivas.
e toda aquela vida dependendo dela.
ela se deliciava com seu pequeno poder.
numa manhã ela resolveu.
encheu sua banheira de terra. regou. colocou fertilizantes.
pôs-se nua e forçou os pés na terra fofa.
afundou até os joelhos.
a sensação era boa.
gelada, molhada, forte.
ela se sentiu completa.
terminou de plantar-se empurrando, com as mãos, a terra ao seu redor para dentro dos buracos recém abertos, soterrando, assim, os próprios pés.
finalizou o processo, já tão familiar, com batidinhas suaves na terra que rodeava seus joelhos.
pronto. plantara-se.
com isso pretendia descobrir que tipo de vida cuidaria da dela.
ficou ali um, dois, três, e no final do quarto dia estava exausta.
as poucas plantas do corredor que ela podia ver dali estavam secando.
sua aflição era enorme, mas sua curiosidade visceral de saber quem viria ao seu encontro era ainda maior.
persistiu.
ficou um mês, dois, três, quatro, e no final do quinto mês já tinha raízes.
pronto. não tinha mais volta. era tudo ou nada.
respirou fundo e pagou pra ver.
no final do nono mês
murchou.

[2007]

sexta-feira, 25 de julho de 2008

ouro de tolo

mas que sujeito chato sou eu
que não acha nada engraçado
macaco, praia, carro
jornal, tobogã...

eu acho tudo isso um saco.

é você olhar no espelho
e se sentir um grandessíssimo idiota
saber que é humano
ridículo, limitado
que só usa dez por cento
de sua cabeça animal.

raul.seixas

eu quero é ter tentação no caminho

ah, já não fazia diferença
jazia a crença
cega e burra
naquele que a deteve um dia

a entidade olímpica sussurra
expressando sua boba agonia
aos ouvidos da batina imunda
outrora cova de existência infecunda
agora cava de empatia

sexta-feira, 18 de julho de 2008

réquiem do abacateiro

era uma vez três árvores.
um extravagante e inconveniente limoeiro, um altíssimo e senhoril abacateiro e uma tímida pitangueira.
com o tempo o limoeiro revelou-se um tanto aturdido subindo no telhado e espiando meu irmão pela janela do quarto.
podamos meu irmão.
o abacateiro mostrou-se satisfeito, já que este era sempre a vítima tendo que suportá-lo a choramingar com o violão a cada fim de namoro.
a pitangueira, mais reservada, só expunha seu caráter durante uns dois meses no ano.
mas eram dois meses de intensa, deslumbrante e deliciosa exposição.
era uma família excêntrica e feliz.
cada um na sua espécie, todos no mesmo reino, divisão e classe.
o trio, que fora casa de inúmeros amigos imaginários meus, deixou-se abandonar em algum canto dos anos que começavam com "199".
depois de muito tempo sem vê-los, passei por uma rua, em uma colina próxima, e pude vislumbrar o que acontecia por ali.
o limoeiro perdera muito de sua jovialidade, mas continuava a demonstrar certa extravagância ao manter uma bela composição verde-amarelo-prata.
a pitangueira quase não pude notar. encolhia-se em seu canto, mais introspectiva que nunca, a sonhar com os velhos tempos (e disso eu tenho certeza).
lamentava, talvez.
ao seu lado, onde antes se impunha o frondoso e acolhedor abacateiro, brilhava, em toda sua frieza metálica, uma imensa antena de tv.

terça-feira, 15 de julho de 2008

remédios imaginários para doenças inexistentes.

para tudo existe um remédio (menos para a gripe, óbvio).
penso que sofro de uma doença estranha e inconveniente: eu penso.
e isso dói demais.
a dor de se parir um pensamento é quase surreal.
dor física é foda, eu definitivamente nunca quero ter pedras no rim.
mas a dor de um pensamento, de uma ansiedade, de uma dúvida, de um eterno desejo, ah... isso nao tem química alopática, floral, reza brava ou o raio-que-o-parta, que cesse.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

la soledad

esperaría que no te asuste
este instante de sinceridad
mi corazón
vomita su verdad

és que hay una guerra entre dos
por ocupar el mismo lugar

por las noches la soledad desespera
espera por ti,
espera por él,
espera por mí,
tambien por aquel

que con violencia sujeta su alma
a una brutal represión
esperando apaciguarse

o confia en el paso del tiempo,
como otra solución
para encontrar la calma.

bersuit.vergarabat

sábado, 12 de julho de 2008

"um dia" às vezes chega

.lp. diz:
acho que a gente vai viajar

.kotsuka. diz:
pra onde?

.lp. diz:
argentina.

.kotsuka. diz:
até a morte, vcs ainda vão pra lá.

domingo, 6 de julho de 2008

se resolver reconsiderar

voltei àquele lugar.
aquele lugar tão mal-dito por mim mesma.
e pela primeira vez senti aquela "aura" mágica que muitos já haviam descrito, mas que, do auto da minha mongicitude, nunca havia me permitido sentir.
aquela caixinha de surpresas que, apesar de pequena, acolhe
TODO O MUNDO.
o único lugar da cidade onde é possível encontrar:

antigos amigos, gays, cowboys, emos, patricinhas e playboys, a bargirl gótica, hippies, heteros, ex-namorados, ex-namoradas e ex-quases, pseudo-celebridades virtuais, antigos inimigos, exibicionistas, nerds, tiozões, pessoas que te confundem com outras pessoas, junkies, punks, rockeiros e afins, senhoras de 40 anos, o balconista da locadora, indies, tatuadores e tatuados, travestis, e mais qualquer coisa que sua fértil imaginação possa imaginar.

o único lugar onde você pode escutar na mesma noite (vendo os respectivos clips):

beatles, sonic youth, michael jackson, smiths, kids, cake, beck, jamiroquai, hole, radiohead, garbage, queen, mutantes, cardigans, pixies, who, talking heads, madonna, iggy pop, clash, blur, r.e.m, stooges, strokes, white stripes, joy division, depeche mode, daft punk, a-ha, james brown, pipettes, bowie, patti smith, chicks on speed, no doubt, amy winehouse, bjork, entre muitos outros.

o único lugar onde você pode encher a cara com 15 conto bebendo drinks bem feitos.
o único lugar onde você perde a comanda e paga míseros 6 (seis!) reais por isso.

se resolver reconsiderar, aproveite-se!
o mundo, quem sabe, vale a pena.

sábado, 5 de julho de 2008

maria maria

maria acordou naquele domingo com uma sensação estranha.
calçou as pantufas e foi fazer café. o pó estava acabando e a água demorou a ferver.
notou que precisava lavar urgentemente as cortinas.
revoltou-se em silêncio com seu esmalte vermelho, que já descascara.
lavou a louça acumulada do jantar de sábado.
serviu-se de seu próprio café e de bolachas velhas.
lembrou-se que esquecera do aniversário de tiago.
com que cara olharia para ele no dia seguinte?
adiou a preocupação.
passou o dia entre programas televisivos desinteressantes e cochilos no sofá.
à noite, pediu uma pizza. meia mussarela, meia calabresa.
comeu dois pedaços de mussarela e um de calabresa, com o aborrecimento de separar as finas fatias de cebola deste último, já que esquecera de requisitar a retirada do ingrediente ao fazer o pedido.
satisfeita, escovou os dentes com a mesma escova dos últimos dois anos, desligou a tv e dirigiu-se para o quarto.
descalçou as pantufas e, segundos antes de entregar-se ao sono, pensou nos problemas ainda pendentes de infiltração da casa.
foi apenas uma sensação estranha.

[2006]

sexta-feira, 4 de julho de 2008

dos três mal amados

o amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
o amor comeu minha certidão de idade,
minha genealogia, meu endereço
o amor comeu meus cartões de visita
o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome
o amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas,
o amor comeu metros e metros de gravatas
o amor comeu a medida de meus ternos,
o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus
o amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos
o amor comeu minha paz e minha guerra,
meu dia e minha noite,
meu inverno e meu verão

comeu meu silêncio,
minha dor de cabeça,
meu medo da morte

joão.cabral.de.melo.neto

quinta-feira, 3 de julho de 2008

minha querida vida social

é estranho constatar que, assistindo mais de três filmes consecutivos, você possa tornar seu dia infinitamente mais útil e prazeroso que se você saísse do sofá.

e se deus negar

eu vou me indignar



e chega.

terça-feira, 1 de julho de 2008

da série: papai é uma bigorna

-tô com desejo de comer morango.

-tá grávida?

-só se for do espírito santo.

-vai saber... não seria a primeira vez...

senhas

eu não gosto do bom gosto
eu não gosto de bom senso
eu não gosto dos bons modos
não gosto

eu aguento até rigores
eu não tenho pena dos traídos
eu hospedo infratores e banidos
eu respeito conveniências
eu não ligo pra conchavos
eu suporto aparências
eu não gosto de maus tratos

eu aguento até os modernos
e seus segundos cadernos
eu aguento até os caretas
e suas verdades perfeitas

o que eu não gosto é do bom gosto
eu não gosto de bom senso
eu não gosto dos bons modos
não gosto

eu aguento até os estetas
eu não julgo competência
eu não ligo pra etiqueta
eu aplaudo rebeldias
eu respeito tiranias
e compreendo piedades
eu não condeno mentiras
eu não condeno vaidades

o que eu não gosto é do bom gosto
eu não gosto de bom senso
não, não gosto dos bons modos
não gosto

eu gosto dos que têm fome
dos que morrem de vontade
dos que secam de desejo
dos que ardem

adriana.calcanhoto

segunda-feira, 30 de junho de 2008

voltando às origens - parte II

cenário: terminal santo antônio.
fila do VILA FIORI/VILA CARVALHO. (pouca gente sabe o que isso significa - só entende a gravidade da coisa quem mora no ibiti ou na fábrica da ykk).
pensa num ônibus que demora. agora pensa em um que demora mais.
ainda não se compara ao temido VILA FIORI/VILA CARVALHO, acredite.
esse famigerado busão passa, na TEORIA, de uma em uma hora.
o que não procede na vida real. dependendo do trânsito da cidade, do humor do motorista e da sorte do passageiro, ele pode demorar de UMA HORA E MEIA até DUAS HORAS E ALGUNS MINUTINHOS.
afora o fato de que ele passa pelo ponto final dele e abre a porta. ele PASSA COM A PORTA ABERTA, entenderam?
entrou, entrou. não entrou, problema é seu!
agora pensa que você perdeu uma miragem dessas por poucos minutos.
agora pensa que por irônia do destino o ponto do MINEIRÃO fica logo ao lado.
(explicando: o MINEIRÃO é um ônibus que, na TEORIA, passa de 5 em 5 minutos, mas na PRÁTICA passam uns 3 por minuto!!)
ao longo dessa experiência ÚNICA, no auge de sua agonia, fernando proclama:
"eu queria morar no mineirão!"

e dois slogans são criados:
"vila fiori/vila carvalho - poucos entram, alguns morrem, muitos ficam."
"vila fiori/vila carvalho - ilusão ou realidade?"

voltando às origens - parte I

-fer, a gente precisa ir no extra.

-casa comigo?

sábado, 28 de junho de 2008

cântico negro

"vem por aqui" — dizem-me alguns
com os olhos doces
estendendo-me os braços,
e seguros de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem: "vem por aqui!"

eu olho-os com olhos lassos,
(há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...

a minha glória é esta:
criar desumanidades!
não acompanhar ninguém.
— que eu vivo com o mesmo sem-vontade
com que rasguei o ventre à minha mãe

não, não vou por aí!
só vou por onde me levam meus próprios passos...
se ao que busco saber nenhum de vós responde,
por que me repetis: "vem por aqui!"?

prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,como farrapos,
arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí...

se vim ao mundo,
foi só para desflorar florestas virgens,
e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
o mais que faço não vale nada.

como, pois, sereis vós
que me dareis impulsos,
ferramentas e coragem
para eu derrubar os meus obstáculos?

corre, nas vossas veias,
sangue velho dos avós,
e vós amais o que é fácil!
eu amo o longe e a miragem,
amo os abismos, as torrentes, os desertos...

ide! tendes estradas,
tendes jardins, tendes canteiros,
tendes pátria, tendes tetos,
e tendes regras, e tratados,
e filósofos, e sábios...

eu tenho a minha loucura!
levanto-a, como um facho,
a arder na noite escura,
e sinto espuma, e sangue,
e cânticos nos lábios...
deus e o diabo é que guiam,mais ninguém!

todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
mas eu, que nunca principio nem acabo,
nasci do amor que há entre deus e o diabo.

ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
ninguém me peça definições!
ninguém me diga: "vem por aqui"!

a minha vida é um vendaval que se soltou,
é uma onda que se alevantou,
é um átomo a mais que se animou...

não sei por onde vou,
não sei para onde vou
sei que não vou por aí!


josé.régio

sexta-feira, 27 de junho de 2008

boas férias


(clique para ampliar)

a garota do espelho

não conheço a garota que mora no espelho.
nem ao menos sei se devo dedicar-lhe minha admiração ou meu desprezo.
sei que sua existência independe de meu julgamento. e que minha opinião nunca foi tão desnecessária.
a garota do espelho me conta tudo, em detalhes imprevisíveis.
e dentro do que sua complexibilidade infantil permite, ela ainda consegue ser misteriosa.
às vezes ela sorri pra mim, e eu então devolvo seu sorriso, seja por prazer ou por educação.
aquela garota me faz pensar, me cala e me enlouquece.
e me fascina ao impor o fato de que nunca irei tocá-la.

[2004]

a cada mil lágrimas sai um milagre

"se
a obra
é a soma
das penas,
pago.
mas
quero meu troco
em poemas."

itamar.assumpção

quinta-feira, 26 de junho de 2008

por menos

era visivelmente triste. parcialmente calvo. sentado naquele canto, absorto em seu jornal, ele até parecia parte do cenário.
pessoas entram no bar, pessoas saem do bar.
garçonetes com seus olhares baixos maquinalmente serviam cafés amargos e gelados para clientes ricos que, pervertidamente, reparavam em seus decotes.
o tempo passava lá fora, mas só lá fora.
dentro do bar era sempre tarde, sempre frio, sempre sempre.
achando sua cadeira ligeiramente desconfortável, ele lia uma matéria sobre novas invenções e pensava, despreocupadamente, em quanto era bom soltar pipa de domingo.
ah... o simples. nada poderia ser mais belo.
sentindo uma vibração energética estranha ele olha para cima instintivamente:
- café, senhor?
- sim, por favor.
ela se inclina e o café escorre do bule para a xícara, mas não sai aquela fumacinha típica. ele repara no decote dela e já não acha que soltar pipa seja a melhor coisa do mundo.
ela se afasta. ele prova o café.
“amargo”, pensa.
enquanto isso, do outro lado da cidade, uma criança nasce morta.

[2004]

terça-feira, 24 de junho de 2008

da série: mamãe tem vida própria

deise diz:
OK! Já mandei o email.... veja se entendeu. ALguma dúvida me fala.

.lp. diz:
a dúvida é a de sempre.

.lp. diz:
as letras do banco.

.lp. diz:
mas tudo bem, em 15 minutos eu consigo lembrar com certeza

deise diz:
Vou fazer uma frase veja se resolve Pato No Estádio

.lp. diz:
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

.lp. diz:
SANTA INGENUIDADE, BATMAN.

.lp. diz:
ok,ok. acho que consigo identificar a senha. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

deise diz:
POrque ingenuidade?

.lp. diz:
MINHA NOSSA DA CARROÇA! se é pra escrever a senha pelo msn QUAL A DIFERENÇA de escrever pne ou pato no estádio?

.lp. diz:
pato no estádio é infinitamente mais difícil de algum possível hacker identificar a senha? hackers não são analfabetos.

deise diz:
Tá legal....agora já foi.

da série: fábulas do dia-a-dia

ele sentou na minha frente, mas de lado, graças a irritante disposição dos assentos do metrô.
parecia um ex-baterista de banda de metal tentando se desprender das drogas.
com olhar alucinado lia um livro qualquer de auto-ajuda, daqueles com capa colorida e cheia de efeitos, chamado "o amor é o caminho", ou qualquer coisa que o valha.
foi nesse sujeito que meus joelhos encostaram.
também pudera, além dos assentos em si serem demasiado juntos, minhas pernas são longas e o indivíduo não era nada pequeno.
ninguém fez nada a respeito.
conseguimos lidar bem com a situação durante duas estações, quando ele se levantou e foi embora, me deixando a pensar na desesperadora falta de contato físico entre as pessoas.
só mesmo no metrô para sentir alguma espécie de calor humano.
depois dessa estranha e necessária reflexão, uma dúvida ainda me assola:
ele era baterista?

salão de beleza

"mundo,
velho e decadente mundo,
ainda não aprendeu a admirar a beleza.
a verdadeira beleza.
a beleza que põe mesa
e que deita na cama.
a beleza de quem come.
a beleza de quem ama.
a beleza do erro puro,
do engano,
da imperfeição."

zeca.baleiro

ponto de vista


.pink rose.
trevor.brown
www.pileup.com/babyart


.rose.
mark.ryden

segunda-feira, 23 de junho de 2008

uma delicada forma de calor

o vento frio se contrai sobre a minha pele como quem implora por um abraço já rejeitado por uma paulicéia inteira.
gotículas imperceptíveis de água se aninham no meu cabelo.
ou será o mais novo caso de psicocinesia recorrente espontânea?
acho que não, estas mesmas vieram a desenhar delicado mosaico a milímetros de minha pupila.
cada palavra faz-se névoa, demonstrando fisicamente a efemeridade do dizer.
senti-me uma lagarta a baforar vogais de cima de um cogumelo.
a temperatura do lábio não condiz com a do tecido conjuntivo líquido que o faz corado. estava longe da hipotermia.
o céu, visto daqui, me parece um tanto quanto melancólico e me transmite uma sensação sonolenta e nostálgica de bem estar.
e eu me pergunto: seria térmica a sensação no céu da sua boca?

domingo, 22 de junho de 2008

falta de sutileza

Fernando diz:
domingo é foda demais

.lp. diz:
ou de menos

Fernando diz:
tbm... ¬¬

sutileza

eu não consigo amar alguém que pensa que o céu do fim da tarde é igual ao do começo da noite.

[2005]

sábado, 21 de junho de 2008

qual foi o lucro obtido?

esta semana fui à Fnac da Av. Paulista e presenciei uma singular conversa entre o cliente, um senhor alto e grisalho que usava terno e levava bons livros de psicologia em um dos braços, e o atendente, um garoto muito magro e um tanto quanto impaciente.
o senhor questionava, muito educadamente, o por que de não mais existirem certas mesinhas as quais ele usava para folhear e assim, calmamente, escolher os livros que compraria.
ao passo que o atendente respondeu:
- a loja parecia uma biblioteca, não era interessante.
o senhor, perplexo, não conteve sua indignação:
- como não?! quem poderia não achar interessante tamanha delicadeza de espírito com o consumidor? era belíssimo e extremamente acolhedor!
o garoto, por sua vez, concluiu a conversa com rispidez:
- não era interessante para as vendas.

a estrada e o violeiro

"minha estrada, meu caminho,
me responda de repente:
se eu aqui não vou sozinho,
quem vai lá na minha frente?

tanta gente, tão ligeira, que eu até perdi a conta.
mas lhe afirmo, violeiro:
fora a dor, que a dor não conta,
fora a morte, quando encontra,
vai na frente um povo inteiro."

sidney.miller

sexta-feira, 20 de junho de 2008

o homem dos dados

"experimentar alguma coisa pela primeira vez: o primeiro balão, visitar uma terra estrangeira. uma boa fornicação com uma nova mulher. o primeiro salário, ou a surpresa de ganhar pela primeira vez no pôquer ou na corrida de cavalos. o isolamento excitante de ficar em pé ao vento numa estrada pedindo carona, esperando que alguém me ofereça, talvez para uma cidade a cinco quilômetros de distância, talvez para uma nova amizade, talvez para a morte. a rica satisfação que eu sentia quando sabia que tinha finalmente escrito um bom artigo, feito uma boa análise ou defendido uma bola perigosa no tênis. a emoção de uma nova filosofia de vida. ou uma casa nova. ou meu primeiro filho. isso é o que eu quero da vida, e agora."

luke.rhinehart

quinta-feira, 19 de junho de 2008

saudoso bucolismo

mais um dia insiste em nascer e o mesmo sol aquece estas mesmas planícies que admiro há anos desta mesma janela, já deteriorada por estes velhos cupins que já não me dizem nada.
como se um dia tivessem dito.
mas afinal, que diferença faz o que penso?
que grandes influências causo eu a estes vermes miseráveis que um dia hão de me deixar sem teto?

[2002]

quarta-feira, 18 de junho de 2008

ainda estão rolando os dados.

uma indignação aquarelável,
meio metro de sono,
algumas poucas renúncias
e um direito de ir e vir.

a areia só escorre quando eu viro a ampulheta.

blues da piedade

"pra quem não sabe amar
fica esperando alguém que caiba no seu sonho
como varizes que vão aumentando
como insetos em volta da lâmpada

vamos pedir piedade
senhor, piedade

pra essa gente careta e covarde."

cazuza

terça-feira, 17 de junho de 2008

loucura líquida

e mais uma vez eu tossi uma borboleta.
quando as coisas pioram restam os últimos grãos de areia, imperceptíveis, ainda nos seus pés.
(deve ser por isso que os lábios têm tantos parênteses).
eu não desisto porque sei que a insatisfação nunca é abstrata suficiente para esvair, nem concreta o bastante para descrer de minha insanidade.
talvez se você tentasse se desvencilhar do algodão doce sua vida melhoraria.
mas tudo depende do quanto você pensa sobre isso, do ponto de vista, do ângulo do olho e dos feixes de luz que refratam deste meio óptico para o próximo.
por meio destes signos formam-se estas coisas diformes que, ainda hoje, chamamos de palavras.
palavras que invadem, inundando suas pupilas de pensamentos alheios.
é claro, às vezes é inevitável perder o fio da meada.
mas quando isso acontece a gente tosse e você finge que não percebe.
aí é só mudar de assunto.
cof. cof. cof.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

da série: conclusões pós-terápicas

os meus problemas sempre foram e sempre serão: meus.
a diferença é que antes eles estavam pomposamente enfileirados, em ordem alfabética, em uma lustrosa prateleira.
e agora estão por todos os lados.

sábado, 14 de junho de 2008

agricultura celeste

e toda noite se perguntava quão tolo seria aquele que plantara estrelas esperando a noite em que abriria a janela e, satisfeito, contemplaria um céu de luas.

[2002]

sexta-feira, 13 de junho de 2008

dona dalva e os diferentes

pouco mais de 40 minutos se passaram desde que haviam chegado. o cheiro era forte. lembrava uma mistura enjoativa de caramelo com acetona... algo doce e cítrico, um tanto quanto característico do lugar. não se sabe como, nem de onde exatamente eles vieram, mas se sabe que chegaram. e desde que chegaram nada fizeram. alguns os apontavam, como se fosse necessário. alguns bêbados que passavam ainda comentavam entre si que era gente da capital que ali chegava para roubar o emprego deles.
dona dalva, de sua janela não muito distante, os observava curiosa. seu apartamento cheirava fortemente a café, sua bebida predileta. dona dalva era sozinha, perdera o último filho depois da peste do mês passado. naquela terça à noite só lhe restava mesmo ficar ali calada olhando pela janela. chegou a pensar em ir se deitar, mas a rua lhe parecia tão tentadora, e aqueles diferentes lhe hipnotizavam. estava decidida. pegou seu casaquinho verde e colocou-o por cima de seu vestido florido (típico das avós) e, assim mesmo, de pantufas, foi pra rua.
desceu lentamente as escadas já gastas de seu prédio e alcançou a calçada bem em tempo de ver a cena que lhe marcaria por todo seu restante de vida.

[2003]

quinta-feira, 12 de junho de 2008

plantamos as rosas brancas por engano.

perdi a conta de quantas rosas vermelhas vi hoje.
por que rosas? por que vermelhas?
ok, concordo que as rosas sejam flores realmente exuberantes e simbólicas, mas que sejam, ao menos, brancas!
não, precisam ser vermelhas.
os girassóis são tão mais expressivos,
e as tulipas, do alto de sua seriedade, tornam tudo tão mais rico,
e o que dizer dos lírios? tão sublimes!
orquídeas, lisianthus, margaridas... e por que não, cactos.
não. rosas. e das vermelhas.
às vezes acredito que uma certa rainha ameaça toda sua sequência de corações inseguros dizendo-lhes que se as brancas não servem, que pintem todas de carmim.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

sangue do meu sangue

nasceram dois
cada um no próprio pranto
no próprio canto, distintos santos do país.
mas mesma morna meretriz,
alma boêmia, divina atriz
regada a tanto teor impresso
licor de fino cassis

metades híbridas
que se completam,
se auto-infectam e interceptam filosofia
tudo carece da dinastia
de nova face, mesma vadia
sem ter sentido, sem ter razão
mas também sem burocracia

o resto é corpo
cretino invólucro
perdido lucro, após o sepulcro não sobe ao céu
não sobre o véu
de todo fascínio envolto em fel
em se ser um em dois
para além do mausoléu

[2007]

segunda-feira, 9 de junho de 2008

um sopro de vida

"de repente as coisas não precisam mais fazer sentido. satisfaço-me em ser. tu és? tenho certeza que sim. o não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. de certo tudo deve estar sendo o que é."

"o tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. então - para que eu não seja engolida pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa - eu cultivo um certo tédio. degusto assim cada detestável minuto."

"mas ao mesmo tempo tudo é tão fugaz. eu sempre fui e imediatamente não era mais. o dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim. a sombra da minha alma é o corpo. o corpo é a sombra da minha alma. (...) peço vênia para passar. (...) sou feliz na hora errada. infeliz quando todos dançam. me disseram que os aleijados se rejubilam assim como me disseram que os cegos se alegram. é que os infelizes se compensam."

clarice.lispector

domingo, 8 de junho de 2008

visceral

"tenho visto inteletuais demais ultimamente. me canso fácil dos preciosos intelectos que precisam cuspir diamantes toda vez que abrem as suas bocas. eu me canso de ficar batalhando por cada espaço de ar para o espírito. é por isso que me afasto das pessoas por tanto tempo, e agora que estou encontrando as pessoas, descubro que preciso voltar para a minha caverna. existem outras coisas além da mente: há insetos e palmeiras e trituradores de pimenta, e eu vou ter um triturador de pimenta na minha caverna, portanto riam."

charles.bukowski

ha-ha.



http://www.malvados.com.br/

de noite na

se você me

sábado, 7 de junho de 2008

como que por acaso

toda aquela explicação que você tentou formular no passar desses anos se materializou, por alguns instantes, no ar rançoso que pairou no seu bocejo.

aquele abraço

pra você que me esqueceu.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

inércia

ao abrir a porta deu-se conta de que esquecera de pular o segundo degrau da escada,
como lhe era habitual.
obsessivo, voltou ao térreo como quem volta ao passado,
mas antes que pudesse perceber
já havia sido morto pela rotina.

[2003]