quinta-feira, 26 de junho de 2008

por menos

era visivelmente triste. parcialmente calvo. sentado naquele canto, absorto em seu jornal, ele até parecia parte do cenário.
pessoas entram no bar, pessoas saem do bar.
garçonetes com seus olhares baixos maquinalmente serviam cafés amargos e gelados para clientes ricos que, pervertidamente, reparavam em seus decotes.
o tempo passava lá fora, mas só lá fora.
dentro do bar era sempre tarde, sempre frio, sempre sempre.
achando sua cadeira ligeiramente desconfortável, ele lia uma matéria sobre novas invenções e pensava, despreocupadamente, em quanto era bom soltar pipa de domingo.
ah... o simples. nada poderia ser mais belo.
sentindo uma vibração energética estranha ele olha para cima instintivamente:
- café, senhor?
- sim, por favor.
ela se inclina e o café escorre do bule para a xícara, mas não sai aquela fumacinha típica. ele repara no decote dela e já não acha que soltar pipa seja a melhor coisa do mundo.
ela se afasta. ele prova o café.
“amargo”, pensa.
enquanto isso, do outro lado da cidade, uma criança nasce morta.

[2004]

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