segunda-feira, 30 de junho de 2008

voltando às origens - parte II

cenário: terminal santo antônio.
fila do VILA FIORI/VILA CARVALHO. (pouca gente sabe o que isso significa - só entende a gravidade da coisa quem mora no ibiti ou na fábrica da ykk).
pensa num ônibus que demora. agora pensa em um que demora mais.
ainda não se compara ao temido VILA FIORI/VILA CARVALHO, acredite.
esse famigerado busão passa, na TEORIA, de uma em uma hora.
o que não procede na vida real. dependendo do trânsito da cidade, do humor do motorista e da sorte do passageiro, ele pode demorar de UMA HORA E MEIA até DUAS HORAS E ALGUNS MINUTINHOS.
afora o fato de que ele passa pelo ponto final dele e abre a porta. ele PASSA COM A PORTA ABERTA, entenderam?
entrou, entrou. não entrou, problema é seu!
agora pensa que você perdeu uma miragem dessas por poucos minutos.
agora pensa que por irônia do destino o ponto do MINEIRÃO fica logo ao lado.
(explicando: o MINEIRÃO é um ônibus que, na TEORIA, passa de 5 em 5 minutos, mas na PRÁTICA passam uns 3 por minuto!!)
ao longo dessa experiência ÚNICA, no auge de sua agonia, fernando proclama:
"eu queria morar no mineirão!"

e dois slogans são criados:
"vila fiori/vila carvalho - poucos entram, alguns morrem, muitos ficam."
"vila fiori/vila carvalho - ilusão ou realidade?"

voltando às origens - parte I

-fer, a gente precisa ir no extra.

-casa comigo?

sábado, 28 de junho de 2008

cântico negro

"vem por aqui" — dizem-me alguns
com os olhos doces
estendendo-me os braços,
e seguros de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem: "vem por aqui!"

eu olho-os com olhos lassos,
(há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
e cruzo os braços,
e nunca vou por ali...

a minha glória é esta:
criar desumanidades!
não acompanhar ninguém.
— que eu vivo com o mesmo sem-vontade
com que rasguei o ventre à minha mãe

não, não vou por aí!
só vou por onde me levam meus próprios passos...
se ao que busco saber nenhum de vós responde,
por que me repetis: "vem por aqui!"?

prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoinhar aos ventos,como farrapos,
arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí...

se vim ao mundo,
foi só para desflorar florestas virgens,
e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
o mais que faço não vale nada.

como, pois, sereis vós
que me dareis impulsos,
ferramentas e coragem
para eu derrubar os meus obstáculos?

corre, nas vossas veias,
sangue velho dos avós,
e vós amais o que é fácil!
eu amo o longe e a miragem,
amo os abismos, as torrentes, os desertos...

ide! tendes estradas,
tendes jardins, tendes canteiros,
tendes pátria, tendes tetos,
e tendes regras, e tratados,
e filósofos, e sábios...

eu tenho a minha loucura!
levanto-a, como um facho,
a arder na noite escura,
e sinto espuma, e sangue,
e cânticos nos lábios...
deus e o diabo é que guiam,mais ninguém!

todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
mas eu, que nunca principio nem acabo,
nasci do amor que há entre deus e o diabo.

ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
ninguém me peça definições!
ninguém me diga: "vem por aqui"!

a minha vida é um vendaval que se soltou,
é uma onda que se alevantou,
é um átomo a mais que se animou...

não sei por onde vou,
não sei para onde vou
sei que não vou por aí!


josé.régio

sexta-feira, 27 de junho de 2008

boas férias


(clique para ampliar)

a garota do espelho

não conheço a garota que mora no espelho.
nem ao menos sei se devo dedicar-lhe minha admiração ou meu desprezo.
sei que sua existência independe de meu julgamento. e que minha opinião nunca foi tão desnecessária.
a garota do espelho me conta tudo, em detalhes imprevisíveis.
e dentro do que sua complexibilidade infantil permite, ela ainda consegue ser misteriosa.
às vezes ela sorri pra mim, e eu então devolvo seu sorriso, seja por prazer ou por educação.
aquela garota me faz pensar, me cala e me enlouquece.
e me fascina ao impor o fato de que nunca irei tocá-la.

[2004]

a cada mil lágrimas sai um milagre

"se
a obra
é a soma
das penas,
pago.
mas
quero meu troco
em poemas."

itamar.assumpção

quinta-feira, 26 de junho de 2008

por menos

era visivelmente triste. parcialmente calvo. sentado naquele canto, absorto em seu jornal, ele até parecia parte do cenário.
pessoas entram no bar, pessoas saem do bar.
garçonetes com seus olhares baixos maquinalmente serviam cafés amargos e gelados para clientes ricos que, pervertidamente, reparavam em seus decotes.
o tempo passava lá fora, mas só lá fora.
dentro do bar era sempre tarde, sempre frio, sempre sempre.
achando sua cadeira ligeiramente desconfortável, ele lia uma matéria sobre novas invenções e pensava, despreocupadamente, em quanto era bom soltar pipa de domingo.
ah... o simples. nada poderia ser mais belo.
sentindo uma vibração energética estranha ele olha para cima instintivamente:
- café, senhor?
- sim, por favor.
ela se inclina e o café escorre do bule para a xícara, mas não sai aquela fumacinha típica. ele repara no decote dela e já não acha que soltar pipa seja a melhor coisa do mundo.
ela se afasta. ele prova o café.
“amargo”, pensa.
enquanto isso, do outro lado da cidade, uma criança nasce morta.

[2004]

terça-feira, 24 de junho de 2008

da série: mamãe tem vida própria

deise diz:
OK! Já mandei o email.... veja se entendeu. ALguma dúvida me fala.

.lp. diz:
a dúvida é a de sempre.

.lp. diz:
as letras do banco.

.lp. diz:
mas tudo bem, em 15 minutos eu consigo lembrar com certeza

deise diz:
Vou fazer uma frase veja se resolve Pato No Estádio

.lp. diz:
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

.lp. diz:
SANTA INGENUIDADE, BATMAN.

.lp. diz:
ok,ok. acho que consigo identificar a senha. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

deise diz:
POrque ingenuidade?

.lp. diz:
MINHA NOSSA DA CARROÇA! se é pra escrever a senha pelo msn QUAL A DIFERENÇA de escrever pne ou pato no estádio?

.lp. diz:
pato no estádio é infinitamente mais difícil de algum possível hacker identificar a senha? hackers não são analfabetos.

deise diz:
Tá legal....agora já foi.

da série: fábulas do dia-a-dia

ele sentou na minha frente, mas de lado, graças a irritante disposição dos assentos do metrô.
parecia um ex-baterista de banda de metal tentando se desprender das drogas.
com olhar alucinado lia um livro qualquer de auto-ajuda, daqueles com capa colorida e cheia de efeitos, chamado "o amor é o caminho", ou qualquer coisa que o valha.
foi nesse sujeito que meus joelhos encostaram.
também pudera, além dos assentos em si serem demasiado juntos, minhas pernas são longas e o indivíduo não era nada pequeno.
ninguém fez nada a respeito.
conseguimos lidar bem com a situação durante duas estações, quando ele se levantou e foi embora, me deixando a pensar na desesperadora falta de contato físico entre as pessoas.
só mesmo no metrô para sentir alguma espécie de calor humano.
depois dessa estranha e necessária reflexão, uma dúvida ainda me assola:
ele era baterista?

salão de beleza

"mundo,
velho e decadente mundo,
ainda não aprendeu a admirar a beleza.
a verdadeira beleza.
a beleza que põe mesa
e que deita na cama.
a beleza de quem come.
a beleza de quem ama.
a beleza do erro puro,
do engano,
da imperfeição."

zeca.baleiro

ponto de vista


.pink rose.
trevor.brown
www.pileup.com/babyart


.rose.
mark.ryden

segunda-feira, 23 de junho de 2008

uma delicada forma de calor

o vento frio se contrai sobre a minha pele como quem implora por um abraço já rejeitado por uma paulicéia inteira.
gotículas imperceptíveis de água se aninham no meu cabelo.
ou será o mais novo caso de psicocinesia recorrente espontânea?
acho que não, estas mesmas vieram a desenhar delicado mosaico a milímetros de minha pupila.
cada palavra faz-se névoa, demonstrando fisicamente a efemeridade do dizer.
senti-me uma lagarta a baforar vogais de cima de um cogumelo.
a temperatura do lábio não condiz com a do tecido conjuntivo líquido que o faz corado. estava longe da hipotermia.
o céu, visto daqui, me parece um tanto quanto melancólico e me transmite uma sensação sonolenta e nostálgica de bem estar.
e eu me pergunto: seria térmica a sensação no céu da sua boca?

domingo, 22 de junho de 2008

falta de sutileza

Fernando diz:
domingo é foda demais

.lp. diz:
ou de menos

Fernando diz:
tbm... ¬¬

sutileza

eu não consigo amar alguém que pensa que o céu do fim da tarde é igual ao do começo da noite.

[2005]

sábado, 21 de junho de 2008

qual foi o lucro obtido?

esta semana fui à Fnac da Av. Paulista e presenciei uma singular conversa entre o cliente, um senhor alto e grisalho que usava terno e levava bons livros de psicologia em um dos braços, e o atendente, um garoto muito magro e um tanto quanto impaciente.
o senhor questionava, muito educadamente, o por que de não mais existirem certas mesinhas as quais ele usava para folhear e assim, calmamente, escolher os livros que compraria.
ao passo que o atendente respondeu:
- a loja parecia uma biblioteca, não era interessante.
o senhor, perplexo, não conteve sua indignação:
- como não?! quem poderia não achar interessante tamanha delicadeza de espírito com o consumidor? era belíssimo e extremamente acolhedor!
o garoto, por sua vez, concluiu a conversa com rispidez:
- não era interessante para as vendas.

a estrada e o violeiro

"minha estrada, meu caminho,
me responda de repente:
se eu aqui não vou sozinho,
quem vai lá na minha frente?

tanta gente, tão ligeira, que eu até perdi a conta.
mas lhe afirmo, violeiro:
fora a dor, que a dor não conta,
fora a morte, quando encontra,
vai na frente um povo inteiro."

sidney.miller

sexta-feira, 20 de junho de 2008

o homem dos dados

"experimentar alguma coisa pela primeira vez: o primeiro balão, visitar uma terra estrangeira. uma boa fornicação com uma nova mulher. o primeiro salário, ou a surpresa de ganhar pela primeira vez no pôquer ou na corrida de cavalos. o isolamento excitante de ficar em pé ao vento numa estrada pedindo carona, esperando que alguém me ofereça, talvez para uma cidade a cinco quilômetros de distância, talvez para uma nova amizade, talvez para a morte. a rica satisfação que eu sentia quando sabia que tinha finalmente escrito um bom artigo, feito uma boa análise ou defendido uma bola perigosa no tênis. a emoção de uma nova filosofia de vida. ou uma casa nova. ou meu primeiro filho. isso é o que eu quero da vida, e agora."

luke.rhinehart

quinta-feira, 19 de junho de 2008

saudoso bucolismo

mais um dia insiste em nascer e o mesmo sol aquece estas mesmas planícies que admiro há anos desta mesma janela, já deteriorada por estes velhos cupins que já não me dizem nada.
como se um dia tivessem dito.
mas afinal, que diferença faz o que penso?
que grandes influências causo eu a estes vermes miseráveis que um dia hão de me deixar sem teto?

[2002]

quarta-feira, 18 de junho de 2008

ainda estão rolando os dados.

uma indignação aquarelável,
meio metro de sono,
algumas poucas renúncias
e um direito de ir e vir.

a areia só escorre quando eu viro a ampulheta.

blues da piedade

"pra quem não sabe amar
fica esperando alguém que caiba no seu sonho
como varizes que vão aumentando
como insetos em volta da lâmpada

vamos pedir piedade
senhor, piedade

pra essa gente careta e covarde."

cazuza

terça-feira, 17 de junho de 2008

loucura líquida

e mais uma vez eu tossi uma borboleta.
quando as coisas pioram restam os últimos grãos de areia, imperceptíveis, ainda nos seus pés.
(deve ser por isso que os lábios têm tantos parênteses).
eu não desisto porque sei que a insatisfação nunca é abstrata suficiente para esvair, nem concreta o bastante para descrer de minha insanidade.
talvez se você tentasse se desvencilhar do algodão doce sua vida melhoraria.
mas tudo depende do quanto você pensa sobre isso, do ponto de vista, do ângulo do olho e dos feixes de luz que refratam deste meio óptico para o próximo.
por meio destes signos formam-se estas coisas diformes que, ainda hoje, chamamos de palavras.
palavras que invadem, inundando suas pupilas de pensamentos alheios.
é claro, às vezes é inevitável perder o fio da meada.
mas quando isso acontece a gente tosse e você finge que não percebe.
aí é só mudar de assunto.
cof. cof. cof.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

da série: conclusões pós-terápicas

os meus problemas sempre foram e sempre serão: meus.
a diferença é que antes eles estavam pomposamente enfileirados, em ordem alfabética, em uma lustrosa prateleira.
e agora estão por todos os lados.

sábado, 14 de junho de 2008

agricultura celeste

e toda noite se perguntava quão tolo seria aquele que plantara estrelas esperando a noite em que abriria a janela e, satisfeito, contemplaria um céu de luas.

[2002]

sexta-feira, 13 de junho de 2008

dona dalva e os diferentes

pouco mais de 40 minutos se passaram desde que haviam chegado. o cheiro era forte. lembrava uma mistura enjoativa de caramelo com acetona... algo doce e cítrico, um tanto quanto característico do lugar. não se sabe como, nem de onde exatamente eles vieram, mas se sabe que chegaram. e desde que chegaram nada fizeram. alguns os apontavam, como se fosse necessário. alguns bêbados que passavam ainda comentavam entre si que era gente da capital que ali chegava para roubar o emprego deles.
dona dalva, de sua janela não muito distante, os observava curiosa. seu apartamento cheirava fortemente a café, sua bebida predileta. dona dalva era sozinha, perdera o último filho depois da peste do mês passado. naquela terça à noite só lhe restava mesmo ficar ali calada olhando pela janela. chegou a pensar em ir se deitar, mas a rua lhe parecia tão tentadora, e aqueles diferentes lhe hipnotizavam. estava decidida. pegou seu casaquinho verde e colocou-o por cima de seu vestido florido (típico das avós) e, assim mesmo, de pantufas, foi pra rua.
desceu lentamente as escadas já gastas de seu prédio e alcançou a calçada bem em tempo de ver a cena que lhe marcaria por todo seu restante de vida.

[2003]

quinta-feira, 12 de junho de 2008

plantamos as rosas brancas por engano.

perdi a conta de quantas rosas vermelhas vi hoje.
por que rosas? por que vermelhas?
ok, concordo que as rosas sejam flores realmente exuberantes e simbólicas, mas que sejam, ao menos, brancas!
não, precisam ser vermelhas.
os girassóis são tão mais expressivos,
e as tulipas, do alto de sua seriedade, tornam tudo tão mais rico,
e o que dizer dos lírios? tão sublimes!
orquídeas, lisianthus, margaridas... e por que não, cactos.
não. rosas. e das vermelhas.
às vezes acredito que uma certa rainha ameaça toda sua sequência de corações inseguros dizendo-lhes que se as brancas não servem, que pintem todas de carmim.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

sangue do meu sangue

nasceram dois
cada um no próprio pranto
no próprio canto, distintos santos do país.
mas mesma morna meretriz,
alma boêmia, divina atriz
regada a tanto teor impresso
licor de fino cassis

metades híbridas
que se completam,
se auto-infectam e interceptam filosofia
tudo carece da dinastia
de nova face, mesma vadia
sem ter sentido, sem ter razão
mas também sem burocracia

o resto é corpo
cretino invólucro
perdido lucro, após o sepulcro não sobe ao céu
não sobre o véu
de todo fascínio envolto em fel
em se ser um em dois
para além do mausoléu

[2007]

segunda-feira, 9 de junho de 2008

um sopro de vida

"de repente as coisas não precisam mais fazer sentido. satisfaço-me em ser. tu és? tenho certeza que sim. o não sentido das coisas me faz ter um sorriso de complacência. de certo tudo deve estar sendo o que é."

"o tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. então - para que eu não seja engolida pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa - eu cultivo um certo tédio. degusto assim cada detestável minuto."

"mas ao mesmo tempo tudo é tão fugaz. eu sempre fui e imediatamente não era mais. o dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim. a sombra da minha alma é o corpo. o corpo é a sombra da minha alma. (...) peço vênia para passar. (...) sou feliz na hora errada. infeliz quando todos dançam. me disseram que os aleijados se rejubilam assim como me disseram que os cegos se alegram. é que os infelizes se compensam."

clarice.lispector

domingo, 8 de junho de 2008

visceral

"tenho visto inteletuais demais ultimamente. me canso fácil dos preciosos intelectos que precisam cuspir diamantes toda vez que abrem as suas bocas. eu me canso de ficar batalhando por cada espaço de ar para o espírito. é por isso que me afasto das pessoas por tanto tempo, e agora que estou encontrando as pessoas, descubro que preciso voltar para a minha caverna. existem outras coisas além da mente: há insetos e palmeiras e trituradores de pimenta, e eu vou ter um triturador de pimenta na minha caverna, portanto riam."

charles.bukowski

ha-ha.



http://www.malvados.com.br/

de noite na

se você me

sábado, 7 de junho de 2008

como que por acaso

toda aquela explicação que você tentou formular no passar desses anos se materializou, por alguns instantes, no ar rançoso que pairou no seu bocejo.

aquele abraço

pra você que me esqueceu.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

inércia

ao abrir a porta deu-se conta de que esquecera de pular o segundo degrau da escada,
como lhe era habitual.
obsessivo, voltou ao térreo como quem volta ao passado,
mas antes que pudesse perceber
já havia sido morto pela rotina.

[2003]