sábado, 26 de julho de 2008

dona geisa

dona geisa, cinqüenta e sete anos, era obcecada por flores.
seu pequeno apartamento, abarrotado de vasinhos, cheirava fortemente à terra úmida. aposentada, viúva e sem filhos, dedicava todo seu tempo à arte da jardinagem.
plantava violetas, regava bromélias, limpava com um paninho fofo, sem pressa e com uma delicadeza irritante, cada folha de seu lírio-da-paz.
as janelas eram mantidas abertas para que cada plantinha (e nenhuma mais que as outras) recebesse luz solar.
ela invejava as plantas.
tão quietas, tão frias, tão vivas.
e toda aquela vida dependendo dela.
ela se deliciava com seu pequeno poder.
numa manhã ela resolveu.
encheu sua banheira de terra. regou. colocou fertilizantes.
pôs-se nua e forçou os pés na terra fofa.
afundou até os joelhos.
a sensação era boa.
gelada, molhada, forte.
ela se sentiu completa.
terminou de plantar-se empurrando, com as mãos, a terra ao seu redor para dentro dos buracos recém abertos, soterrando, assim, os próprios pés.
finalizou o processo, já tão familiar, com batidinhas suaves na terra que rodeava seus joelhos.
pronto. plantara-se.
com isso pretendia descobrir que tipo de vida cuidaria da dela.
ficou ali um, dois, três, e no final do quarto dia estava exausta.
as poucas plantas do corredor que ela podia ver dali estavam secando.
sua aflição era enorme, mas sua curiosidade visceral de saber quem viria ao seu encontro era ainda maior.
persistiu.
ficou um mês, dois, três, quatro, e no final do quinto mês já tinha raízes.
pronto. não tinha mais volta. era tudo ou nada.
respirou fundo e pagou pra ver.
no final do nono mês
murchou.

[2007]

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