quarta-feira, 29 de outubro de 2008

nas voltas do meu coração

tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu
a gente estancou de repente
ou foi o mundo então que cresceu

a gente quer ter voz ativa
no nosso destino mandar
mas eis que chega a roda viva
e carrega o destino prá lá

a gente vai contra a corrente
até não poder resistir
na volta do barco é que sente
o quanto deixou de cumprir

faz tempo que a gente cultiva
a mais linda roseira que há
mas eis que chega a roda viva
e carrega a roseira prá lá

terça-feira, 28 de outubro de 2008

claustransporte

pode parecer até mesmo irritante que se volte sempre às reflexões metrônianas, mas explico-me:
creio que as melhores fontes de inspiração são os flashs de vida alheia, captados em momentos de ócio criativo.
ócio criativo, em rotina paulista, é quase que somente a janela do trem, do ônibus, do carro.
agora, pra quem anda só de metrô, a paisagem é penumbra.
logo, voltasse a atenção para o entre-portas, e os motivos se repetem.
eu perco no mínimo 1 hora por dia no subterrâneo da paulicéia. porque eu moro perto.
isso sem contar as passagens de tempo sem nexo algum.
exemplo: saio às 7:30 para chegar às 8.
se saio às 7:40 chego às 8:25, mas se saio 7:45, chego às 8:10.
surreal, não?
isso é são paulo.

domingo, 26 de outubro de 2008

as duas

a primeira era muito velha e tossia excessivamente.
não chegava a ser mendiga, mas carregava um semblante carregado de sofrimento, uma mochila vagabunda e um grande saco plástico com, o que imagino serem, artigos de camelô.
usava camiseta politicamente panfletária, de anos atrás. e um boné surrado de uma marmoraria qualquer. usava óculos e sabia ler, como deduzi, ao notar seus olhos correrem, linha a linha, por entre as qualidades da faculdade anhanguera.

a segunda não tive demasiado tempo para observar.
era anã. não possuia altura maior que a de uma criança de 10 anos, mas não lhe atribuiria nenhum outro aspecto infantil.
toda tatuada, com minissaia de grife e belíssimos cabelos que despencavam por sobre suas curtas costas.
se mostrava sensual, a sua maneira.
subiu a escada como se prometida à um nobre.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

como uma luva

eu me lembro de você ter falado
alguma coisa sobre mim
e logo hoje, tudo isso vem à tona
e me parece cair como uma luva
agora, num dia em que eu choro
eu tô chovendo muito mais do que lá fora
lá fora é só água caindo
enquanto aqui dentro, cai a chuva

e quanto ao que você me disse
eu me lembro, sorrindo
vendo você tão sério
tentar me enquadrar, se sou isso
ou se sou aquilo
e acabar indignado, me achando totalmente impossível
e talvez seja apenas isso:
chovendo por dentro
impossível por fora

eu me lembro de você descontrolado
tentando se explicar
como é que a gente pode ser tanta coisa indefinível
tanta coisa diferente
sem saber que a beleza de tudo
é a certeza de nada
e que o talvez torne a vida um pouco mais atraente

e talvez, a chuva, o cinza,
o medo, a vida, sejam como eu
ou talvez , porque você esteja, de repente
assistindo muita televisão
e como um deus que não se vence nunca
o seu olhar não consegue perceber
como uma chuva, uma tristeza, podem ser uma beleza
e o frio, uma delicada forma de calor

baleiro.lobão

cartola

ainda é cedo, amor
mal começaste a conhecer a vida
já anuncias a hora de partida
sem saber mesmo o rumo que irás tomar

preste atenção, querida
embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco tua vida
em pouco tempo não serás mais o que és

ouça-me bem, amor
preste atenção, o mundo é um moinho
vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
vai reduzir as ilusões à pó

preste atenção, querida
em cada amor tu herdarás só o cinismo
quando notares estás à beira do abismo
abismo que cavastes com teus pés

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

the souvenir

ela canta mal.
nos intervalos, vai lá fora acender suas mentiras.
a fábrica lhe pagava com migalhas. virou puta.
comprou tênis de marca.
uma puta de tênis. taí algo complexo.
descobriu uma música nova no myspace.
uma espécie de folk valsado.
se idenificou com a melodia fora de moda dos banjos e do acordeon.
o cantor é um garoto pretensioso.
classe média alta, querendo aparecer.
amigo da patricinha que deu sorte em cair nas graças de gente famosa.
baba-ovo interesseiro.
ela acha tudo uma bobagem.
todo mundo odeia todo mundo até vislumbrar uma micro-chance de se dar bem pegando carona na competência alheia.
baba-agem.
ela quase se fundia com a poça d'água, tamanho tempo dedicado àquela infundada observação.
ela nem via a poça.
eram 4 da manhã e ela sentara no meio-fio, fumando um cigarro, para livrar os pés dos saltos e esticar as pernas.
saudade do tênis.
a poça era rasa mas serviu para refletir o medonho estado dos cabelos dela.
ela sabia que cantava mal.

a incompetência deveria doer.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

cinefilia crônica

se as palavras me faltam é porque é minha vez de nutrir-me.
esse mês do ano, no qual eu mesma fui concebida, redescubro-me na luz que não é de minha mãe.
recolho-me ao útero seco, e compartilho a escuridão.
cada crédito que sobe é um novo amanhecer.

.ferréz

deveria vir livro em cesta básica.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

do agora à aurora

toda noite brotam pequenas luzes verdes pelo quarto.
sem hesitar, beijam o lustre enquanto a lâmpada amarela repousa.
tal adúltero eclipse cria, no teto, uma cúmplice sobreposição de sombras minguantes.
pela janela, resquícios do dia anterior.
a luz da lua, que não é dela, moldada nas treliças, passeia pelo quarto.
de manhã os riscos dançantes tornam-se mais fartos.
porém mais tenros.
não mais carregam a aura vulgar da escuridão, e desanuviam meu contemplar sonolento.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

os espertos ao contrário

ela é a beira do mundo.
o transborde desprendido da última gota.
a suposta prepotência de deus.
o que corre nos fios e nas veias.

ela é ruim.
e já foi humana.
hoje brinca de homem par.
o trocadilo copião.

ela ou ele ou o que será.
o que seria de nós sem ela.
o que seria, será, ou não?

ela estamira.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

encontro marcado

quem assiste um corpo dormir flerta com os mistérios do ser.
proporciona-me fascínio e angústia o fato de que tal corpo, um dia, será apenas um corpo.
e por esse corpo sentirei repulsa, pois não estamos falando de corpo.
a camisa sanguínea há de perecer.
o ser permanece.
em tela, em letra, em película,
em saber, em sentir,
em mim.

domingo, 12 de outubro de 2008

todas as crianças que não fomos

em 1761, com 5 anos, um adorável garotinho começava a compor minuetos.
1 ano após seu próprio nascimento, um pequeno perturbado fora abandonado pelo pai e, mais um ano depois, em 1811, presenciou a morte da mãe.
em ulm de 1879, nasceu um gênio.
em abril de 1893, um outro garotinho completava, finalmente, 4 anos.
em 1907, aos 2 anos de idade, o estrábico mais confiante do mundo perdia o pai.
também aos 2 anos de idade, em 1922, aquela indescritível ucraniana, desembarcava em maceió.
em 1946, aquele menino encantador foi morar com a tia mimi.

o que você foi quando era criança?

sábado, 11 de outubro de 2008

bem.ditas

benditas coisas que eu não sei
os lugares onde não fui
os gostos que não provei
meus verdes ainda não maduros
os espaços que ainda procuro
os amores que eu nunca encontrei
benditas coisas que não sejam benditas

a vida é curta, mas enquanto dura
posso durante um minuto ou mais
te beijar pra sempre o amor não mente,
não mente jamais.
e desconhece do relógio o velho futuro
o tempo escorre num piscar de olhos
e dura muito além dos nossos sonhos mais puros

bom é não saber o quanto a vida dura
ou se estarei aqui na primavera futura
posso brincar de eternidade agora
sem culpa nenhuma


mart'nália.e.zélia.duncan

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

.instantes antes

por volta das onze e meia da manhã aluguei, na faculdade, uma câmera fotográfica, para concluir um trabalho pendente. como o tempo de empréstimo era vasto, eu e o andré aproveitamos para tirar algumas fotos pelo prédio. um dos pontos escolhidos foi a janela do terceiro andar, que tem sua vista para a avenida paulista, no sentido consolação.
além de fotos da avenida em si, com seus pedestres-guarda-chuva, bati uma foto dos banquinhos da área comum do prédio residencial ao lado, e o andré focou as janelas deste mesmo prédio.
acredito ter sido a terceira ou quarta vez que dei alguma atenção para a bela vista daquele local, em quase dois anos.
pois bem, o fato é que cerca de meia hora mais tarde voltamos ao terceiro andar e vimos uma grande aglomeração de pessoas exatamente naquele espaço e, conforme nos aproximávamos, ouvíamos rumores, hipóteses, risadas sádicas e todo tipo de reação ao mórbido.
no chão, abaixo das janelas e perto dos banquinhos, havia um homem morto.
o corpo já estava coberto. bati uma foto sem saber direito porque. cogitei a idéia de vendê-la a algum jornal, considerando-a vergonhosa e absurda logo em seguida. resolvi apagá-la. não apaguei. algum motivo me fez hipnotizada pela foto. não vi o desfecho da cena real, não espalhei a notícia, não pensei muito sobre tudo isso.
apenas senti profundamente aquele misto de frágil-banalidade.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

o cisne e a raposa

a raposa nunca machucou o cisne.
e assim começa.
a raposa nunca machucou o cisne.
o homem machucou.
o homem e sua ganância acabaram com toda uma fauna na cidade de papel.
valdivia, no chile, teve seu grande pantanal, que possuía uma colônia de mais de 7000 cisnes, destruído (de 2004 até hoje) por uma fábrica de papel.
a segunda mais lucrativa do mundo.
a política hipócrita, contraditória, burocrática e corrupta (que sabidamente não é exclusividade dos chilenos) nada fez além de complicar a resolução implorada pela população que, em ato contínuo, corajoso e admirável, se mobiliza até hoje em prol da causa.
pelo menos eles se mobilizam, não?
a raposa, por sua vez, foi pra toca ler sponville e entender que se a esperança se manteve no fundo da caixa de pandora, não foi por ser uma quase-desculpa divina, e sim por ser o mais denso dos males.

domingo, 5 de outubro de 2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

caio.fernando.abreu

tenho tentado aprender a ser humilde. a engolir os nãos que a vida me enfia pela goela a baixo. a lamber o chão dos palácios. a me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar um café e continuar.

a filosofia e o extra

kotsuka diz:
encontrei com a lia um mês atrás... no extra.
ficamos batendo moh papo, com bossa nova de fundo, no setor de frango.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

podres poderes

favor não confundir a resistência do oprimido com a violência do opressor.

quase um segredo

a menina das duas tranças tem um tribal no tornozelo e uma filha pra criar.
a menina das duas tranças sempre esteve perdida na vida.
mas quem disse que a vida tem mapas?