domingo, 31 de janeiro de 2010

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

alucinação

eu não estou interessado
em nenhuma teoria
em nenhuma fantasia
nem no algo mais

nem em tinta pro meu rosto
ou oba oba, ou melodia
para acompanhar bocejos
sonhos matinais...

eu não estou interessado
em nenhuma teoria
nem nessas coisas do oriente
romances astrais

a minha alucinação é suportar o dia-a-dia
e meu delírio é a experiência
com coisas reais...

um preto, um pobre
uma estudante, uma mulher sozinha
blue jeans e motocicletas
pessoas cinzas normais

garotas dentro da noite
revólver: cheira cachorro
os humilhados do parque
com os seus jornais...

carneiros, mesa, trabalho
meu corpo que cai do oitavo andar
e a solidão das pessoas
dessas capitais

a violência da noite
o movimento do tráfego
um rapaz delicado e alegre
que canta e requebra
é demais!...

cravos, espinhas no rosto
rock, hot dog
"play it cool, baby"
doze jovens coloridos
dois policiais

cumprindo o seu duro dever
e defendendo o seu amor
e nossa vida

mas eu não estou interessado
em nenhuma teoria
em nenhuma fantasia
nem no algo mais
longe o profeta do terror
que a laranja mecânica anuncia

amar e mudar as coisas
me interessa mais...

.belchior.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

uma sombra passou por aqui

continuava a chuva.
chuva forte, perpétua, suada, fumegante, garoa,
aguaceiro, fonte, enxugar de olhos, sucção de tornozelos,
chuva para afogar todas as chuvas e a recordação das chuvas.

ray.bradbury

sábado, 23 de janeiro de 2010

damasco

foi hoje de manhã.
quando abri um iogurte de damasco. daqueles com pedaços inidentificáveis de fruta.
coloquei o pote sobre a pia e joguei a tampinha de metal no lixo reciclável.
olhei pro potinho.
eu sempre tive nojo de pias.
meu pai costumava limpar lulas nela quando eu era criança e eu ainda vejo as tripas espalhadas pelo mármore.
é o tipo de coisa que nem álcool e fogo consegue limpar.
senti inveja do potinho de iogurte.
uma inveja absurda por ele ser de plástico e, óbviamente, mais resistente ao tempo do que eu.
imaginei uma mórbida corrida pútrida entre o meu cadáver e o potinho.
o potinho venceria. não havia dúvida.
eu estava tão vulnerável...
aos 36 anos, numa batalha infinita contra nunca-saberemos-o-que, ela começou a chorar no meu sofá.
servi-lhe café, desejando secretamente que a cena acabasse logo.
ela era geniosa, certamente, mas perdera-se na angústia de fazer escolhas não-convencionais.
agora estava aí, com inveja de um potinho plástico, o que seria poeticamente gracioso, salvo o fatigar de suas crises metafóricas.
continuou a chorar, pulando de um assunto para outro e tentando, sem muito sucesso, amenizar a própria situação.
eu mesmo comecei a ter inveja do potinho de iogurte.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

alforria profana

se me afagas demente
do alto de teu sono latente, nesmeyana
é pra depois a vida ter valor

se passivo deleito e cultivo
nesta espera insana
uma tal simpatia pela dor
é sabendo que vivo
como quem flana
satisfeito
pelo impossível
hora ironia, hora esplendor

um olho me guia
tangível a tudo que emana
o outro
inatingível
inebria o sentido
alforria profana
e tateia teu timbre
e degusta o olor

se teu ser aldrúbio
desencadeia nostalgia
e cativa
o meu olho transgressor
ao sóbrio nada suscita
mas como o olhar me é dúbio
é com essa vista bendita
que sigo na expectativa
hora euforia, hora torpor

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

o gênio ocioso

hoje sinto orgulho que dizer que sou inumano,
que não pertenço a homens e governos,
que nada tenho a ver com a maquinaria rangente da humanidade
– eu pertenço à terra!

henry.miller

domingo, 17 de janeiro de 2010

esta noite o rei não dorme

si pudieses liberarte, por una vez, de ti mismo
el secreto de los secretos se abriría a ti.
el rostro de lo desconocido, oculto más allá del universo,
aparecería en el espejo de tu percepción.

en realidad, tu alma y la mía son lo mismo.
aparecemos y desaparecemos el uno con el otro.
este es el verdadero significado de nuestras relaciones.
entre nosotros, ya no hay ni tú ni yo.

.rumi.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

puro extrato de sebo

- whisky tem gosto de livro velho.

- discordo. se o livro é bom, a velhice só lhe aumenta o charme.
whisky tem gosto de cheiro de livro velho.

das faltas

se o teu amor despreza os sinais do amor
a pretexto de atingir a essência,
o teu amor não passa de um palavreado.
não descuides das felicitações,
nem dos presentes,
nem dos testemunhos.

antoine.de.saint-exupéry

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

dessas novas formas de conversar

é horrível isso.
um silêncio que tem cor.
e é branco.
que, por pura ironia, é todas as cores.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

ato falho

- não vem ao acaso.
ou melhor, não vem ao caso.
ao acaso pode até vir.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

a noite é grande e cabe todos nós

é inútil fazer a nossa beleza.
ela é uma descoberta do nosso próximo.
aqui está, por exemplo, uma flor.
não fez nada para que eu a achasse bela.
fui eu que senti a combinação do seu silêncio
com o esmaecimento de seu vermelho.
fui eu que descobri elegância
na inclinação do seu caule para a direita.

antônio.maria

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

inlakesh alaken

2010 atropelou a contagem regressiva e chegou antes.
invasivo, efusivo. chegou e é isso.
idependente de rituais, pedidos e promessas.
já está aqui e lide com isso.
do outro lado da partícula a gente inventa o tempo.
mas deste lado tem regras demais.
a falta de regra não é falta de ordem.
pode ser a presença mais pura desta.
a ordem não-burocrática, libertária e libertina, é consciência.
é elevação. é entendimento.
o ofício sem obrigação, punição ou autoritarismo, é artifício.
explode docemente, instintivamente, sobre tudo.
a extinção da hipocrisia faz milagres.
a recompensa vem de dentro.
a abstração do pormenor, a abstração da posse, daquilo que só o olho vê.
aqui se olha no olho e a vida segue mais.