sábado, 29 de novembro de 2008

reflorestamento de nós

dentro das órbitas, esférica sequoia talhada
o cerne pupílico, envolto em humor
mitológica moléstia de visão petrificada
doce alburno, das chuvas interiores condutor
se dessa medula apenas vestígio, da outra, razão de ser
do seu lenho extraio estrutura
talhador exímio, arte pura
do seu olhar, meu florescer

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

sonho por sonho, caixa por caixa.

o que é frágil, recomenda-se separar e enrolar em toalhas.
desce as cinco prateleira ao chão. sobram os furos na parede.
atrás do poster, poeira.
embaixo da cômoda, poeira.
poeira metódicamente decantada por longos dezoito meses.
poeira que eu sacudi naquela manhã.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

alta voltagem, baixa amperagem

havia a borboleta.
asas alvas, cor de pérola. com as bordas pretas.
muito pequena e arredondada.
voava aquele vôo desesperado de borboleta:
plana-cai-plana-cai-plana.
começou a subir em gracioso zigue-zague, pendendo para a direita, como quem desejava pular aquele muro.
havia a cerca elétrica.
quatro honrosos fios de aço zunindo em uníssono.
as membranas escamadas em furta-cor, o ferro, o carbono...
funesto beijo no meio da minha terça-feira.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

manú

essa noite precisava de respostas.
não pedi respostas, nem dei alguma.
apenas segui o caminho habitual.
subi na escada que subia e, como se brotasse do chão, ela foi surgindo.
a garota surgia.
a escada surgia.
na minha frente, um pouco mais magra do que eu me recordava, uma das muitas garotas as quais eu costumava odiar há dois anos atrás, encontrava-se fumando.
cumprimentei-a como se ela fosse minha melhor amiga.
abracei-a forte. contei e escutei novidades. rimos.
não era uma antipatia adolescente se dissipando.
mais provável que fosse uma necessidade de me auto-mapear.
nada que os sentidos dela captaram a meu respeito era falso.
não sei se a recíproca é verdadeira.
desejei-lhe sorte e continuei a andar.

é esquisita a facilidade com a qual se pode ignorar o passado, caso isso lhe seja conveniente e confortável no presente imediato.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

como se escorregasse no próprio descuido

já reparou na proliferação de placas de "cuidado, piso escorregadio"?
parece que alguém percebeu que espalhando-as pelos estabelecimentos, os clientes nunca serão indenizados, caso se machuquem ao chocarem-se contra um piso seco.
paralelamente, sustento uma teoria de que haverão, num futuro pouco distante, novos desabamentos no metrô, já que este está infestado de goteiras, mesmo em dias ensolarados.
mas hoje choveu em são paulo.
boa oportunidade das plaquinhas serem adquadamente usadas.
ou não.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

detalhes

não por acaso logo acima do espelho repousa uma pequena máscara.
vulnerável veneziana equilibrada em bruto prego.
a porcelana branca fora coberta de tinta e purpurina por fino pincel, manejado com esmero.
vê-se por entre os olhos vazados, a paisagem.
não há gondolas em seus dutos lacrimais.
a boca, muito roxa, contrasta com o nariz alvo, sem tinta.
os olhos que lhes faltam ignoram o espelho.
a moldura rota, o reflexo imundo.
quem precisa dos olhos, tendo veneza?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

a caça ao turpente

queria explicar-te a lógica... esqueça!
não é que não lembre a bendita:
se eu tivesse mais tempo e tu mais cabeça...!
muita coisa inda tem que ser dita.

lewis.carroll

domingo, 9 de novembro de 2008

sábado, 8 de novembro de 2008

lembranças e memórias

ela não lembra o que almoçou ontem, e nem sabe em que ano estamos, mas me contou com detalhes como era sua primeira bicicleta.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

apenas uma concha vazia

durante minha jovem vida, tive a honra de conhecer pessoas raras.
desse coletivo precioso restam, hoje, uma grande quantidade de poeira e valorosos diamantes lapidados.
é muito bom saber que, embora com diminuta tripulação,
o barquinho ainda vai.

linhas tênues

era gorda. estava muito longe da obesidade, mas era gorda.
carregava unhas âmbar nas mãos e vemelho tomate nos pés.
vestia uma blusa de pano leve, muito larga, quase brilhante e com estampa de leopardo.
descia pelas pernas, até a tornozeleira, uma legging preta.
levava brincos típicos de 25 de março, prateados, assim como o relógio, e uma grande bolsa marrom com detalhes dourados.
tal tipo, muito mais comum do que possa parecer, nunca havia me chamado alguma atenção maior que um julgamento instantâneo sobre vestimentas inadequadas.
mas ela me chamou atenção.
me chamou atenção pelo que estava fazendo:
nas mãos, uma embalagem de prestígio era enrolada com toda cautela.
o nariz torto fitava o rolinho.
desenrolou.
começou a enrolar de novo, agora pelo lado aberto da embalagem.
desenrolou de novo.
enrolou com o lado de trás para a cima.
e assim seguiu nessa mistura de t.o.c., terapia ocupacional e fascinação.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

domingo, 2 de novembro de 2008

eu amo soja

é quase inadmissível a capacidade de renovação de espírito que um milk shake carrega.

sábado, 1 de novembro de 2008

alface americana

há tempos ando tentando escrever sobre você, e a cada tentativa frustrada, aumenta o grau do desafio.
não admiro saudosismos, mas antigamente parecia ser apenas um movimento indolor de girar a esfera metálica e fazer com que a fraternidade se espalhasse homogeneamente pela tinta.
agora não.
não por não haver mais esferas metálias.
não por não haver fraternidade.
por não haver tinta.

não se prende um suspiro em fibra ótica.
e nossa arte não cabe num pixel.

a festa

eu tenho disso, eu cicatrizo.